Na história da Humanidade, incontáveis pessoas entraram pela falsa porta do suicídio. Reis, rainhas, estadistas, inventores, artistas, músicos, cientistas, escritores e um número enorme de pessoas comuns tentaram fugir daquilo que os oprimia, que os importunava, que os fazia sofrer.
Com o passar do tempo, o quadro não mudou muito. Hoje, há os que se imolam, visando motivos políticos, como os homens‑bomba e as monjas, que se incendeiam pela libertação do Tibete. No Brasil, há dados relevantes quanto ao suicídio de indígenas, que se sentem desestruturados pelo fenômeno de aculturação.
Ficamos estupefatos ao observar o quanto a vida humana deixou de ser valorizada. Numa sociedade altamente consumista, até mesmo a vida adquiriu um caráter descartável.
Uma vida a cada 40 segundos
Em um relatório publicado por ocasião do Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) explica que, entre 2010 e 2016, a taxa global de suicídios caiu 9,8%, com quedas que vão de 19,6% na região do Pacífico Ocidental a 4,2% na região do Sudeste Asiático. Porém, a região das Américas registrou um aumento, de 6%. Ainda segundo a OMS isso pode ter ligação com o fácil acesso às armas de fogo (considerado um dos principais meios de suicídio. Os outros são enforcamento e envenenamento com pesticidas).
Apesar do progresso, ainda há uma morte por suicídio a cada 40 segundos – mesma frequência indicada em 2014 – conforme declaração do diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Por que procurar a fuga pela falsa porta do autoextermínio se a primeira consequência é justamente o desapontamento? É a percepção de que foi um ato vão. Por que não se consegue matar a vida?
Um mal irreparável?
Sabemos que este é um assunto espinhoso, de difícil trato, e não se manifesta como um fato isolado. Muitas pessoas, ligadas ao suicida, traumatizadas pelo ato imprevisível, procuram, em si mesmas, algumas falhas que teriam contribuído para o trágico desfecho. Não são poucas as que caem nas malhas da culpa, que não deixa cicatrizarem as feridas profundas da perda. Não é à toa. Fomos condicionados a tratar o suicídio como um mal irreparável.
Há pouco tempo, o suicida tornava‑se um proscrito. Era privado dos sacramentos e orações, não podia ser enterrado em solo “sagrado”. Era escorraçado do rebanho de almas pelos pretensos representantes de Deus na Terra.
Em O Livro dos Espíritos, o assunto é abordado nas questões de nº 943 a 957. Em O Céu e o Inferno, há um capítulo destinado aos espíritos suicidas em que, evocados ou não, vieram relatar a própria experiência. Ali, podemos contar com valiosas observações de Allan Kardec e com o comentário esclarecedor de São Luís, o Espírito protetor da Sociedade Espírita de Paris.
André Luiz, segundo ele mesmo, foi um suicida inconsciente. Ao revelar esse tipo de suicídio, mostrou‑nos que o número de suicidas, visto pela ótica espiritual, é expressivamente maior do que o da estatística terrena.
Reconstruindo a vida
Por que o suicídio é considerado uma porta falsa?
Porque quem adentra essa porta, percebe que não chegou a lugar algum. Percebe que lhe custará muito trabalho e muita dor para encontrar a saída.
…E quando sai, encontra‑se no mesmo ponto em que adentrou: vã perda de tempo e energia, sem solução de problema algum.
O espiritismo vem trazer as vozes dos que já partiram, nessas condições, e que relatam a própria desdita. Vem mostrar que cada caso é único, que são considerados todos os atenuantes e os agravantes. Que o trabalho de reconstrução da vida, às vezes, é árduo, penoso, mas que, no final do túnel, o Pai compassivo espera a volta do filho com os braços abertos: sempre há perdão.
ISABEL SCOQUI em Desistir da vida não é a solução (adaptado)