“Quantas vezes, nas efervescências de um sofrimento parecido irremediável, desespera-se a criatura, atirando-se à aventura sinistra de um suicídio, quando, dentro de curto espaço de tempo, encontraria a solução para o seu problema, a compensação, o auxílio da Providência como o consolo de que carecia! Faltou-lhe a paciência, porém, a necessária calma para refletir e esperar a melhoria da situação, e por isso um abismo de trevas, em séculos de lutas e renovações idênticas às fracassadas, positivou-se para o seu destino, ensinando que o que convém à criatura é a fortaleza e a paciência na adversidade, mas jamais a revolta e o desespero, que para nada aproveitam”.
O texto acima é da médium Yvonne do Amaral Pereira, em Memórias de um suicida, livro considerado um clássico da literatura espírita editado nos anos 50 do século 20, relatando a experiência post-mortem do célebre escritor português Camilo Castelo Branco.
Psicografado por Yvonne e sob orientação do espírito Léon Denis, o autor espiritual, sob o pseudônimo Camilo Cândido Botelho, descreve à médium sua dolorosa experiência após a desencarnação pelo suicídio, ao mesmo tempo em que visa mostrar a misericórdia divina para com os suicidas arrependidos, trazendo-lhes a oportunidade de conhecer o universo e a vida em sua integral dimensão.
Um dos maiores nomes da literatura portuguesa no século 19, Camilo Castelo Branco era detentor de notável erudição, cuja obra abrange campos tão variados como o jornalismo, o romance, a crítica, a história e a poesia.
No plano pessoal, entretanto, sua existência é um verdadeiro desenrolar de profundos dramas que Camilo questiona, vive e trabalha, amadurecendo o fruto de suas dores em uma vasta obra. Cínico às vezes, outras variando da absoluta incredulidade até à credulidade mais pueril, seus temas são os da busca do amor, da felicidade, ou a demonstração da sua impossibilidade. Como é dos seus escritos que provêm a sua subsistência e de seus familiares, Camilo é obrigado a escrever sempre mais e mais.
Aos espíritas em particular o suicídio de Camilo é referência obrigatória para o estudo do tema. Entretanto, as obras básicas da doutrina espírita tratam com muita propriedade do assunto, também demonstrando, através das próprias vítimas do suicídio, que abreviar a vida não é simplesmente uma falta, mas uma grave infração à lei moral.
Em O evangelho segundo o espiritismo, capítulo 5, Allan Kardec afirma que “a calma e a resignação adquiridas na maneira de encarar a vida terrena, e a fé no futuro, dão ao espírito uma serenidade que é o melhor preservativo da loucura e do suicídio”. A incredulidade, a simples dúvida quanto ao futuro, as ideias materialistas, são os maiores incentivadores do suicídio ao produzirem uma espécie de frouxidão moral.
O livro dos espíritos, em suas questões 944 em diante, também explora largamente o direito à própria vida, os motivos ilícitos e os motivos pelos quais as pessoas pensam ser lícito suicidar-se e demonstra que em todos há sempre um senão perigoso. Faz uma ressalva àqueles que entregam a vida para salvar ao próximo – ainda assim com o alerta de se verificar para a necessidade de, em se mantendo vivo, não seria mais útil.
Já O céu e o inferno apresenta um capítulo (o quinto) inteiramente destinado aos suicidas, contendo nove depoimentos de espíritos que, evocados ou não, vieram relatar a sua dolorosa experiência.
Dentre eles, chama a atenção o depoimento do Sr. Felicien, apontado como homem rico e instruído. Isso porque era a quarta vez que sucumbia perante as circunstâncias que o expunham à tentação do suicídio. Tal prova, então, se renovava a cada existência – e continuaria se renovando até que ele tivesse forças de resistir a ela.
Tal qual aconteceu com Yvonne do Amaral Pereira. Em vidas passadas ela cometeu o mesmo deslize duas vezes, conforme relatado nas obras O Drama da Bretanha e Recordações da Mediunidade. Nestes livros, a médium relata como faliu, como se sentiu depois, mas não revela o programa de reestruturação do próprio espírito. Este particular, que ficou faltando complementar em suas obras, ganha novo fôlego com Leila – a filha de Charles.
É o próprio Charles que, no prefácio da obra, explica que a história de Leila esteve proibida de ser revelada à Terra, pela benevolência de Bezerra de Menezes. Segundo o mesmo espírito, Yvonne, que “habita as regiões mais seguras do espaço”, cumprindo tarefa especial junto aos suicidas, preocupada com o crescente número de casos parecidos com o seu, enviou um pedido especial “para que fosse permitida a psicografia de sua triste história, de seu erro reincidente, como novo exemplo do que sucede ao suicida no além-túmulo, bem como da grandiosidade da misericórdia do Pai, ao conceder novo corpo e nova chance apesar de tudo”.
Tal tarefa ficou sob a responsabilidade de Denise Corrêa de Macedo, que psicografou a obra ditada pelo espírito Arnold Numiers. Denise já havia perscrutado o universo de Yvonne no livro A Sublimação do Amor – percurso evolutivo do espírito Yvonne do Amaral Pereira, onde ordenou suas vidas e, consequentemente, seus erros, as causas de seus sofrimentos e os muitos fenômenos ocorridos com a médium fluminense.
Para Denise, entretanto, a reincidência de Leila ao suicídio não era o cerne da proibição à publicação do romance. Refletindo sobre o material que psicografou, Denise compreendeu que a mentalidade machista dos séculos passados denegria muito a imagem de uma mulher que se separasse, sendo esta marcada para o resto da vida, no caso de Leila de Canallejas, até sua outra encarnação, como Yvonne Pereira. “Hoje, este escrúpulo em relação à mulher que se separa e volta a se casar é quase nulo e a sociedade já aceita bem este fato, sem maiores preconceitos”, acredita a autora.
Vencida esta barreira, Denise não viu maiores problemas para completar a trajetória de Yvonne do Amaral Pereira, esclarecendo como é infinita a misericórdia de Deus. “Leila aprendeu isso por experiência, e agora, após o seu desencarne como Yvonne, e tendo conquistado a superação pessoal, importa que conheçamos a vida em que errou, somada à outra em que muito acertou”.
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