Em vida, John Wilmot Rochester seguiu um caminho de desatinos. Apesar de ter herdado o título de Conde aos 11 anos e, aos 14, ser considerado “Master of Arts” pelo Wadham College, em Oxford, graças à sua ampla cultura, a verdade é que ele viveu as mais diferentes experiências: desde combates à marinha holandesa em alto mar até envolvimento em crime de morte, abusos sexuais, alcoólicos e charlatanismo – período em que Rochester atuou como “médico”.
Em suas memórias, ditadas ao sacerdote Gilbert Burnet, Rochester reconhece ter vivido uma existência iníqua, cujo fim lhe chegava lenta e penosamente em razão das doenças venéreas que lhe dominavam e o derrotaram, por fim, em 26 de julho de 1680, data de sua morte.
Depois disso, na condição de espírito, ele recebe a missão de velar por um grupo de espíritos afins, que o acompanharam em diversas jornadas físicas, algumas inclusive relatadas em suas obras. Além disso, passa a trabalhar pela propagação do Espiritismo, auxiliando seu antigo amigo e mestre Allan Kardec, com quem teve a oportunidade de conviver em algumas de suas existências.
Para isso, Rochester escolheu e preparou uma médium desde a infância, a jovem Vera Ivanovna Kryzhanovskaia, que descendia de uma antiga família nobre da província de Tambov, na Rússia (vide box), a fim de poder cumprir a tarefa.
Apesar de muitos não o aceitarem como “autor espírita”, através de seus livros Rochester divulga e esclarece uma série de conceitos do Espiritismo, trazendo ao público revelações sobre o mundo espiritual e sobre os “mistérios” da história e da ciência.
Suas tramas instigam os leitores a quererem saber mais sobre os assuntos tratados, procurando outros livros espíritas, principalmente os de Allan Kardec. Além disso, quando analisa as questões morais dos seus personagens, remete os leitores aos ensinamentos evangélicos de Jesus.
No já clássico A vingança do judeu, por exemplo, Rochester retrata cativante história de amor e ódio, com todo um cortejo de egoísmo, orgulho e prepotência, tendo ao fundo os sentimentos sublimes da fé, do amor e do perdão, únicos traços de união que acabariam por redimir um grupo de almas em lutas redentoras. Ao mesmo tempo, demonstra como a doutrina espírita destrói os preconceitos do mundo, evidenciando que todos os homens são irmãos por sua origem.
A vingança do judeu apresenta um estilo mais “romanesco”, uma história repleta de golpes melodramáticos, e tamanha quantidade de eventos e relações complexas que se desenvolvem entre as personagens, que acabou sendo adaptado em novela de grande sucesso, batendo o recorde nacional de audiência na extinta TV Tupi. Escrita pelo então estreante Benedito Ruy Barbosa, a novela foi ao ar com o título Somos todos irmãos em 1966, atendendo a uma exigência da colônia judaica que, na época, se manifestou contra o texto considerando-o preconceituoso (anti-semita).
O tema “preconceito”, inclusive, é que puxa o fio condutor da obra. Os terríveis fatos desencadeados neste romance se originam graças aos preconceitos de raça, classe social e fortuna. No enredo, um rico banqueiro judeu se apaixona por uma condessa cristã, mas, por conta da diferença de classes, ele jamais poderia ficar junto à sua amada e isso o faz lançar mão de um subterfúgio que irá marcar toda a trajetória dele e dos outros personagens, em uma sucessão de eventos marcantes.
Numa linguagem simples, poderíamos dizer que o preconceito é um julgamento que se faz de alguém – julgamento este destituído de razão. Ainda há, por exemplo, os que acreditam que a cor da pele pode denotar uma inferioridade racial. Não à toa, Jesus nos alertou para não julgarmos, posto que, através de análises equivocadas feito esta, podemos destruir a personalidade social de uma pessoa. E sem personalidade social uma pessoa não resiste, morre-se.
As memórias de Allan Kardec, registradas em Obras Póstumas e na coleção da Revista Espírita, são repletas de experiências sobre os problemas da convivência humana através dos quais podemos observar como é possível empreender esforços para superar tendências históricas, hábitos culturais e inclinações pessoais. A experiência de Kardec prova que é possível ir além das definições, romper preconceitos seculares e avançar cada vez mais no terreno da liberdade de consciência.
Podemos resumir o contexto desta experiência no capítulo 36 de A Gênese, sob o título “Caráter da revelação espírita”, onde Kardec esclarece que, com a reencarnação, “desaparecem os preconceitos de raças e de classes sociais (castas), pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. (…) Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade”.
Todos os preconceitos de raças, culturas, religiões, sexo, tendem a cair quando, por meio da reencarnação, o Espiritismo nos ensina que a fortuna, a cor da pele, o sexo fazem parte da longa caminhada do espírito na busca dos mundos ditosos e que as condições humanas ditas superiores não são privilégios de determinadas pessoas ou grupos, mas situações que Deus nos oferece para o nosso progresso.
É importante lembrar que Jesus, com palavras e exemplos, combateu nossos preconceitos. Quando lhe pedem um exemplo de verdadeira caridade, Ele conta a parábola do Bom Samaritano (os samaritanos eram vítimas de um forte preconceito da parte dos judeus). Certa ocasião, para espanto dos apóstolos, ele é encontrado conversando tranquilamente com uma mulher samaritana, quebrando de uma só vez dois preconceitos: contra a mulher e contra os samaritanos. Quando quer dar um exemplo de uma fé saudável e forte, Jesus não se vale de um judeu, mas de um romano.
Se Jesus se posicionou contra a intolerância, Allan Kardec reconstruiu a fé e resgatou a religiosidade permitindo que nós, espíritas, reflitamos: Como o Espiritismo não é religião – no sentido histórico sectário –, podemos discutir tranquilamente este assunto e conduzir nossas conclusões para os ambientes que frequentamos e a ideologia que cultivamos como fonte de realização.
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