Embora a globalização tenha reduzido as diferenças culturais por todo o planeta, ela também fez com que ficasse muito mais fácil encontrar pessoas estranhas e se assustar com seu “jeito”. Uma das cláusulas para um orbe ascender a um mundo de regeneração é justamente a da fraternidade internacional.
O racismo tradicional está fundamentado em antigas e ultrapassadas teorias biológicas. Entre final do século 19 e o início do século 20, havia a crença generalizada em países como Inglaterra, Austrália e Estados Unidos de que alguns traços biológicos hereditários faziam com que africanos e chineses fossem naturalmente menos inteligentes, menos empreendedores e menos moralizados que os europeus. Depois de 1945, o racismo passou a ser não só considerado moralmente deplorável, mas também cientificamente ridículo. Os geneticistas apresentaram evidências científicas muito fortes de que as diferenças biológicas entre os diversos seres humanos espalhados na Terra eram insignificantes. Hoje, ainda há muitos indivíduos que fazem afirmativas racistas, embora sem respaldo científico e sem o devido respeito político, mas sob uma nova roupagem: os termos culturais.
Mas, se hoje os seres humanos são geneticamente idênticos, em algum momento do passado não o foram. Há 200 mil anos, em uma tribo de Neandertais, nasceu um bebê um pouco mais bonito que os outros. Quando essa criança cresceu um pouco mais, encantou seus pais com sua esperteza, ao mesmo tempo em que passou a achar seus pais um tanto quanto simplórios e grosseirões. E quando alcançou certa idade, apareceu com invenções curiosas, como uma lança bem afiada ou um machado de pedra, que deixou toda a tribo maravilhada.
Mal sabiam eles que esse pequeno prodígio, belo, inteligente e hábil era, na verdade, um homo sapiens e que em breve todos os Neandertais estariam extintos. Em tese, houve na Terra, antropologicamente falando, uma raça superior a outra e uma cultura superior a outra. Muitos de nós ainda carregam essas percepções xenofóbicas no íntimo do espírito, nos julgando superiores a outrem em algum sentido, não só quanto aos imigrantes, mas em áreas mais simples, como bonitos e feios, ricos e pobres, saudáveis e doentes, norte-americanos e mexicanos.
Uma luta heróica
Refletindo um pouco, podemos realmente admitir a existência de algumas diferenças significativas entre culturas humanas, em coisas que vão de costumes sexuais a hábitos políticos e nesse terreno nebuloso, algumas diretrizes vêm se tornando globais. A diversidade humana é ótima quando se trata de culinária, turismo, poesia, filosofia, arte ou descobertas científicas, mas poucos acham que assassínio de cristãos, infanticídio ou escravidão possam ser aspectos exóticos e fascinantes de uma cultura.
A visão espírita é bem clara e, embora reconheça que existam diferenças entre as culturas, entende que algumas práticas culturais necessariamente desaparecerão da Terra, à medida que a humanidade for avançando em conhecimento, tecnologia e organização social. Em algum momento o progresso tomará conta de todas as culturas humanas.
E hoje as pessoas continuam a travar uma luta heroica contra o racismo tradicional sem perceber que a frente de batalha está mudando. O racismo tradicional está desaparecendo, mas o mundo está agora cheio de “culturistas”, os “novos” racistas, que vêm armados de argumentos bem poderosos e, como disse Jesus, capazes de “enganar até o escolhido”.
Fora da realidade
Dizer que pessoas negras têm tendência a cometer crimes porque têm genes inferiores é considerado fora da realidade, uma afirmação absurda. Mas afirmar que elas têm tendência a cometer crimes porque provêm de uma subcultura disfuncional parece – perigosamente – fazer algum sentido. Antropólogos, sociólogos e historiadores ficam extremamente incomodados com esse raciocínio, pois soa perigosamente como o racismo tradicional.
É o cerne do “novo” racismo, ou “culturalismo”. Essa seria uma excelente fonte de debates nos círculos doutrinários espíritas, sobretudo uma doutrina tão engajada com as questões sociais no Brasil.
E o problema principal com as alegações culturistas é que, apesar de sua natureza estatística, todas são usadas frequentemente para prejulgar indivíduos e, diferentemente do racismo tradicional, que é um preconceito não científico, os argumentos do culturismo parecem às vezes ser bem sólidos. Portanto, cabe-nos estar atentos quanto a essa nova forma de discriminação que vem silenciosamente enraizando-se em nossa sociedade.
JULIANO P. FAGUNDES em Às portas da regeneração (adaptado)