Miriam Valle – Histórias do mosteiro e do castelo

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Progresso de leitura

Entrevista com Miriam Valle

Nascida em berço espírita, MIRIAM VALLE  é natural de Piracicaba (SP). Mãe de três filhos, tem uma netinha e exerce a profissão de terapeuta transpessoal (método cuja base é desenvolver os aspectos espirituais do ser humano), com especialização em Psicanálise.

Autora dos romances A história de Lola Gomes e As escolhas do Savais, nesta entrevista concedida a Arnaldo Camargo, editor da EME, ela nos fala sobre sua vida, seus projetos e, claro, sobre seu novo romance mediúnico, Histórias do mosteiro e do castelo. Confira:

Como foi sua infância com seus pais e irmãos? Encontrou alguma dificuldade para assimilar o espiritismo?

Eu nasci em berço espírita. O meu avô paterno foi um dos fundadores de um centro espírita em Porto Feliz onde a família residia antes de se mudarem para Piracicaba. Meu pai também foi um dos fundadores, do Núcleo Espírita Vicente de Paulo, que manteve o Albergue Noturno desta cidade por muitos anos. O Espiritismo era tema de conversas na minha casa e eu fui absorvendo os conceitos da doutrina de forma natural, sem dificuldades.

Conheci você atuando na União Espírita de Piracicaba, além de cuidar da evangelização, que, aliás, é tema de seu livro As escolhas dos SAVAIS. Que outras funções você exerceu?

A União foi como uma segunda casa para mim. Além da evangelização, onde aprendi muito, tive a oportunidade de participar de grupos mediúnicos, fiz diversos cursos, atuei na divulgação apresentando palestras, fiz parte da equipe de atendimento fraterno, aplicação de passes, nossa, foi tanto que recebi, sou infinitamente grata.

Você foi enfermeira e atualmente se especializou e exerce a profissão de terapeuta transpessoal. Como foi sua escolha?

Fui enfermeira na Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba por pouco tempo. Logo as necessidades dos três filhinhos pequenos me absorveram totalmente. Escolhi cuidar deles e depois retomar a profissão. Mas como fiquei muitos anos afastada, precisava fazer uma especialização para me atualizar. Comecei a procurar na internet e acabei encontrando o curso de Psicologia Transpessoal. Me interessei e por coincidência, na mesma ocasião um amigo me recomendou um livro – Psicoterapia à luz do Evangelho de Jesus, de Alirio de Cerqueira Filho – que me ajudaria na preparação de uma palestra. O autor deste livro menciona haver se inspirado na obra de Joanna de Ângelis e refere-se à Psicologia Transpessoal “como elo de ligação entre a ciência e a religião”. Tudo pareceu se encaixar para mim. A Transpessoal abriu-me um leque de possibilidades e enquanto eu conhecia esse mundo novo, os meus horizontes se ampliavam cada vez mais. Terminei essa especialização, fiz outra em Psicanálise e outros diversos cursos. O último foi o curso Novas Constelações Familiares, de Bert Hellinger.

Esta terapia tem algum vínculo com os princípios da doutrina espírita?

 Acho importante não confundir Espiritismo com Transpessoal e perceber que cada qual, no seu campo de atuação teórica e prática se integram e de certa forma se complementam. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no item que trata sobre a Aliança da Ciência e da Religião, Kardec fala sobre a “ciência deixar de ser exclusivamente materialista” e ambas, ciência e religião, “apoiando-se uma à outra marcharão combinadas se prestando mútuo concurso”. É o que está acontecendo e temos o privilégio de assistir e participar dessa etapa evolutiva. Hoje, dentre as vertentes das Constelações Familiares, já existe um segmento onde se associa essa abordagem à Espiritualidade. Particularmente eu não conheço o suficiente para falar a respeito, mas deixo registrado como exemplo de que tudo caminha em direção à integração ciência-religião. Vamos acompanhando e procurando distinguir o que é bom, vem para acrescentar e o que deve ser deixado de lado.

 Como foi que você enfrentou a pandemia da covid-19? Enfrentou algumas dificuldades? Quais lições colheu desse momento que ajudaram na sua escrita?

Enquanto eu retomei os estudos e iniciei a nova profissão, muitas coisas aconteceram. Foram alguns anos difíceis onde crises diversas me atingiram de forma significativa. Apoiada na doutrina espírita e nos novos conhecimentos que adquiria fui enfrentando essas vicissitudes, errando e acertando. Durante a pandemia vivi uma fase de isolamento intensa que me ajudou a fazer uma retrospectiva e auto avaliação. A partir de então não pude mais retomar a mesma vida. Foi como um recomeço, que considero uma segunda chance nessa existência para “acertar o passo” e dar valor ao que realmente importa. Nessa fase eu retomei o romance, Histórias do mosteiro e do castelo, que estava iniciado.

Pelas estatísticas da EME, você gosta de escrever: são 4 livros publicados com diversas reedições, e todos são romances. Por que essa preferência por este estilo de literatura?

Gosto de escrever romances, me identifico com as histórias, com os personagens, me envolvo com seus dramas e conflitos. Acredito que algumas vezes subestimamos o valor de um romance bem escrito, com uma trama bem elaborada, com começo, meio e fim bem definidos, que traga uma mensagem que se elucide por si mesma durante o desenrolar dos fatos descritos. Eu trabalho para alcançar esses objetivos. Escrevo com prazer, com muito carinho, leio e releio muitas vezes. Quando acredito ter terminado, deixo lá guardadinho por um tempo para depois fazer nova leitura e encontrar os pontos que precisam ser melhor elucidados. Quando estava na evangelização, eu conheci o trabalho de uma pedagoga e mestre em educação, Adalgiza Balieiro, destinada a educadores espíritas, através das histórias. Resumidamente, ela fala sobre a formação de imagens e a aprendizagem do espírito. Uma boa imagem passa a mensagem que se pretende imediatamente, ou fica arquivada para o momento em que o espírito possa lançar mão do conhecimento transmitido. Os romances, são em potencial uma forma de transmissão de mensagens do espiritismo, como reencarnação, perdão, imortalidade da alma, misericórdia divina, e tantos outros. Ocorre a identificação com atitudes e escolhas entre o leitor e personagens de forma natural durante a leitura, o que pode facilitar a compreensão da teoria. 

O que a motivou a escrever Histórias do mosteiro e do castelo? Teve algum embaraço? Qual é o objetivo do espírito Domenico com esta revelação?

Logo depois da publicação de Nas Areias do Passado, em 2011, um espírito começou a se comunicar no grupo mediúnico do qual eu participava. Identificou-se como religioso de épocas remotas, dizendo condenar nossas práticas de intercâmbio com os espíritos desencarnados e passou a sugerir-me que eu abandonasse o Espiritismo, convidando-me a frequentar igrejas católicas. Assim como aconteceu com Assad, do romance anterior, ele estava sendo convidado a contar a sua história. Segundo minha percepção, essa é uma forma de ajudar espíritos muito comprometidos, pois enquanto vão rememorando os próprios dramas, através da mediunidade, distinguem o que realmente aconteceu daquilo que foi criado por suas mentes enfermiças. Esse irmão, ao qual chamei Domenico, ocultava seus delitos por trás da túnica de monge severo e intransigente. Na ocasião, ele tornou-se inflexível e não aceitou a proposta de trabalho. Embora eu tenha iniciado a escrita, não pude avançar sem o conhecimento da trama que lhe dizia respeito. Acabei desistindo. Retomei esse trabalho durante a pandemia, numa fase de isolamento e introspecção, como relatei anteriormente. Certamente auxiliada pelo mentor que me assiste na escrita, passei a sentir um grande desejo de me reaproximar de Domenico. Em prece o convidei para o trabalho inacabado, com muita humildade lhe pedi a colaboração.  Ele atendeu ao meu chamado e diariamente, durante uma hora escrevíamos. Mostrou-se mais resignado, embora algumas vezes a aflição ou revolta o acompanhassem. Sentia-me amparada e em nenhum momento tive receios em concluir a tarefa. Foi muito gratificante. Um presente imerecido, que agradeço imensamente.

O que o leitor encontrará neste romance? Você pode fazer-nos uma rápida resenha, por favor?

A história se passa na Europa do século 14 e o enredo se desenrola entre a nobreza, o clérigo e a servidão. O conde Maciel Vanoli, senhor muito rico, culto e de nobres sentimentos fazia o possível para aliviar as dificuldades dos camponeses que o serviam. Tratava-os com respeito e dignidade, proporcionando-lhes uma parte maior na divisão das colheitas e menor na cobrança dos tributos. Estudioso das teorias espiritualistas, conhecedor da reencarnação, meditava sobre as diferenças e questionava as crenças pregadas pela igreja, que determinava o destino das pessoas pelo nascimento. Todas essas convicções são testadas quando sua filha única, por quem nutre grande estima, se envolve numa inusitada situação. Entre a fidelidade pelos ideais pregados e as convenções da época, suas escolhas o levariam mais tarde a consequências inimagináveis. A vida nos mosteiros aparece retratada pelos monges que ocultam sob a túnica religiosa seus anseios menos dignos e aos que já compreenderam o verdadeiro significado da fé com Jesus. Cada qual, quer seja nobre, religioso ou camponês vive seu drama, comete erros e acertos e não pode fugir às consequências dos atos praticados. É uma história que pode ser nossa, onde nos vemos refletidos ora em um, ora em outro personagem.

Este novo romance mediúnico trata dos problemas humanos, ensina o amor e a dignidade vividos por alguns personagens; por outros, o egoísmo e o abuso dos títulos que recebem das instituições. Você compreende que a espiritualidade quer mostrar que o erro é dos homens e não do Evangelho do Cristo?

Sim. São as imperfeições humanas que nos levam em todas as épocas a desvirtuar as verdades. Quando não estamos preparados a reconhecer nossas imperfeições, corremos o risco de distorcer as sublimes lições do Tratado de Amor pregado pelo Cristo, a fim de aliviar nossa consciência. Exemplificando, podemos citar os fariseus que foram severamente advertidos por Jesus, por valorizarem as práticas exteriores em detrimento do esforço de renovação interno.

Há algo marcante que gostaria de relatar de sua experiência na recepção e preparação deste livro?

Conviver com os dramas e conflitos dos espíritos é sempre singular, difícil de descrever. Em alguns momentos parece até mesmo irreal e exige a sintonia sutil e intencional com o bem. Em uma comunicação mediúnica com desencarnados sofredores, as sensações duram alguns minutos, mas na recepção de uma história, podem durar meses ou anos. Nesse caso, remorso, culpa e revolta foram sentidos intensamente nos instantes de aproximação de Domenico e somente quando eu consegui apaziguar minha própria tempestade interior, quando consegui aquietar minha mente e pensamentos, na fase de introspecção e isolamento vividos durante a pandemia, é que a aproximação e escrita se tornaram possíveis. Como não perceber a dádiva do trabalho oferecido em meu próprio benefício? Como não agradecer a oportunidade abençoada? Sou infinitamente grata à espiritualidade superior que me assiste e encaminha as tarefas redentoras, o trabalho bendito na imensa seara do Cristo.

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Devemos aprender a reconhecer nossas fraquezas com honestidade, antes de mais nada, para somente depois tornar possível o passo seguinte de transformação, conscientes de que a decisão de acertar ou errar é de cada um de nós.