MEDO DA MORTE OU SAUDADES DA VIDA?

Medo-Saudade

Progresso de leitura

Uma pesquisa da Janno e da MindMiners revela que, por conta da pandemia de coronavírus, 70% dos brasileiros com mais de 45 anos já conversaram sobre seus ritos funerários com familiares e amigos.

Dando sequência a esta nossa série especial, Ricardo Orestes Forni trata sobre as razões para o temor da morte.

Vinicius de Moraes, dramaturgo, poeta, jornalista, cantor e compositor teve uma vida intelectual extremamente produtiva. Tom Jobim o apelidou carinhosamente de “poetinha”. Vinicius tinha plena consciência da sua morte física. Prova disso é que apresentava a sua nona esposa como a “sua viúva”.

Aproximadamente dois meses antes da sua desencarnação estava sentada numa mesa junto a amigos e próximo da praia, quando uma fã, vendo o seu estado físico comprometido e o olhar de tristeza em seu rosto, perguntou-lhe: “Oi, poetinha, está com medo da morte?” A resposta do poeta foi impregnada da poesia que sempre o acompanhou. Respondeu: “Não minha filha. Estou com saudades da vida!”

Obviamente que, se o poeta tivesse os conhecimentos da Doutrina Espírita, não teria se manifestado dessa forma porque saberia que estaria sempre mergulhado na vida, dentro ou fora de um corpo material.

Morte e tabu

O jornal O Estado de São Paulo em duas publicações, uma no mês de abril e a outra no mês de junho do corrente ano, levantou o questionamento sobre o medo da morte e o tabu que envolve esse assunto agora acirrado pela pandemia que assola e ameaça o mundo. Cerca de 70% dos brasileiros acima de 60 anos já aceitam refletir sobre a finitude da vida e o mesmo percentual de pessoas acima de 45 anos acham importante pensar em um testamento e em plano funeral. Contudo, na prática, apenas 30% começam a colocar no concreto esses pensamentos. É o tabu que envolve o assunto “morte” principalmente nos povos ocidentais que vacilam sobre a imortalidade e não aceitam o princípio da reencarnação.

Muitos e variados são os fatores que levam o ser humano a temer a desencarnação.

Um deles é o instinto de conservação da vida extremamente útil na preservação de nosso uniforme na escola da Terra. Não fosse por esse instinto e o número alarmante de suicídios seria extremamente mais desastroso porque ao defrontarmo-nos com os problemas da existência, optaríamos pela desistência da vida nos momentos de superlativo desgosto, revolta ou desespero.

Outro fator determinante desse medo e, por consequência, do tabu sobre a morte, é a predominância da natureza animal que nos leva em direção aos gozos temporários da vida física e o receio de perdê-los pelo fenômeno da morte.

Única realidade

O temporário esquecimento da vida espiritual de onde viemos contribui também para explicar esse medo ligando-nos de maneira intensa à vida material como se essa vida que podemos ver, sentir e tocar fosse a única realidade existente. E quando ela é ameaçada sentimo-nos lançados em direção ao desconhecido que inspira temor no estágio evolutivo em que a maioria dos reencarnados num mundo de provas e expiações se encontra.

A visão de uma continuidade da vida em outros planos do Universo ameaçada com punições em lugares de sofrimento também é outro fator que inspira o medo e, até mesmo, o terror nas criaturas. Infelizmente determinadas religiões contribuíram e continuam a contribuir com esse panorama tétrico do após morte para inúmeras pessoas. Esquecem-se do ensinamento de Jesus que Deus é Pai e que Ele é Amor com bem definiu o apóstolo João. Sendo um Pai perfeito e de amor infinito, não destinaria Seus filhos a um final tão cruel e irreversível. Caso essa possibilidade existisse se constituiria num libelo contra a existência do próprio Criador!

Podem residir no inconsciente profundo as razões para o temor da morte. O Espírito imortal tem condições de arquivar experiências desagradáveis de retornos anteriores à vida imortal. Embora sejam experiências transitórias marcam profundamente aquele que deixa o corpo e estagia temporariamente em regiões de sofrimento para as devidas reflexões e reajustes em sua consciência.

Finalmente, o materialismo que conduz à ideia de um término desesperador na profundidade de um túmulo é outro fator gerador do receio da morte. A quem pode apaziguar a ideia de que todos os sentimentos e experiência de vida muitas vezes produtiva e enriquecida de realizações na matéria se destinam ao nada?

Desapego das ilusões

Como nos esclarece Manoel Philomeno de Miranda através da psicografia de Divaldo Franco, “à medida em que se aclaram os enigmas em torno da realidade post mortem, em que os fatos demonstrem o seu prosseguimento, oferecendo uma visão correta sobre a sua continuação, o temor cede lugar à confiança e as dúvidas são substituídas pela certeza da perenidade do ser, que se sente estimulado a preparar, desde então, esse futuro, no qual a felicidade possui uma dinâmica que fomenta o progresso incessante, em decorrência do esforço empreendido por quem deseja alcança-lo.”

E continua ele a nos ensinar que o exercício mental e o natural desapego das ilusões favorecem a confiança na sobrevivência, anulando o injustificável medo à morte.

Substituir o medo pela expectativa de como será a vida mais tarde, substituir a incerteza pela conscientização do prosseguimento espiritual, deve ser um programa bem elaborado para ser vivido com tranquilidade, no dia a dia que faz parte do seu peregrinar evolutivo.

São Francisco que cuidava de um pequeno jardim com a mais absoluta tranquilidade, foi indagado por um companheiro de ordem religiosa sobre qual seria o comportamento do santo, caso ele soubesse que iria morrer naquele dia. Ouviu o companheiro de ideal da boca do santo uma frase aparentemente muito simples: “Continuaria cuidando do meu jardim.”

Essa resposta só era possível a quem possuía a consciência em paz pela tarefa totalmente cumprida na escola da Terra.

Não seria exatamente o fato de não possuirmos essa consciência o fator determinante do medo da morte envolvendo o assunto num sólido tabu como se o silêncio sobre essa realidade pudesse afastá-la de cada um que se calasse no mais ruidoso silêncio em seu interior?

                    RICARDO ORESTES FORNI é médico e escritor com mais de uma dezena de livros publicados pela Editora EME