O paranaense José Lázaro Boberg já publicou mais de 14 livros, entre eles O evangelho de Judas, tema deste artigo de Leandro Corso da Associação de divulgadores do Espiritismo do Paraná
O Evangelho de Judas, explica o autor ao longo do livro, é um dos chamados apócrifos, mais exatamente gnósticos, juntamente com os de Tomé, o Apócrifo de João, Evangelho de Felipe, Evangelho da Verdade, Evangelho dos Egípcios, Livro Secreto de Tiago, Apocalipse de Pedro, Apocalipse de Paulo, Cartas de Pedro.
O de Judas foi encontrado em 1978, por um fazendeiro, numa caverna em um banco de areia do rio Nilo, dentro de uma caixa preta com capa de couro sob o título “Códice”. Escrito em coopta há 1800 anos, está dividido em quatro partes, sendo que somente uma dessas partes corresponde ao Evangelho de Judas e informa que este não traiu Jesus.
Ele pode ser falso tanto quanto os quatro canônicos (Marcos, Mateus, Lucas e João) cuja autoria só passou a ser atribuída a eles um século após serem escritos. Esse documento é considerado o mais importante descoberto desde que foram encontrados os Pergaminhos do Mar Morto em 1947 que equivalem à Bíblia mais antiga conhecida e os Manuscritos de Nag Hammadi, em 1945,correspondendo aos evangelhos apócrifos, 52 ao todo, alguns deles gnósticos. Se há um evangelho de Judas é porque houve seguidores, concluem os estudiosos.
A obra de José Lázaro Boberg desperta um grande interesse justamente por lançar luz sobre um dos episódios mais dramáticos envolvendo a vida de Jesus que é a sua morte como decorrência da traição de um de seus apóstolos. Mas como se pode ter certeza de que a versão quase que unanimemente aceita é retrato da verdade?
Mais Cristo do que Jesus
As dúvidas estão em muitos pontos, como os referidos documentos, mas não só. Se Judas realmente existiu – há quem duvide até disso – quem teria sido ele exatamente? O que sabemos é o que a Igreja Romana determinou que soubéssemos e de modo indiscutível. Muitos outros textos se referem à vida, tempo de pregação e morte de Jesus, mas foram considerados heréticos a partir do bispo Irineu (130-202) de Lyon, e oficializados em 325 no Concílio de Niceia, pelo imperador Constantino. Por isso, é possível se dizer que “Temos hoje mais uma doutrina sobre o Cristo do que a doutrina de Jesus”.
O fato notório é que se já há divergências ou omissões nos relatos entre os quatro evangelistas canônicos quanto a outros aspectos, sobre Judas há mais o que se discutir. E o livro traz isso em detalhes, amparado pelas pesquisas e opiniões de renomados estudiosos como Ehrman Bart, Rodolphe Kasser, Marcelo da Luz e Gregory Page.
“Tu vais ultrapassar todos. Tu sacrificarás o homem que me revestiu”. Essa frase constante do evangelho de Judas encontrado em 1971 que teria sido pronunciada por Jesus e dirigida a Judas, resume a ideia de que o apóstolo renegado pela humanidade, na verdade teria sido o predileto do Mestre.
Traição: Jesus sabia ou não?
Do ponto de vista filosófico a questão envolvendo Judas não é tratada no livro, restringindo-se Boberg a apresentar outras hipóteses históricas e religiosas no papel desempenhado pelo homem de Iscariotis nas origens do Cristianismo.
Continuamos a ter que debater se Jesus sabia ou não que seria traído e por quem. Se assim foi, Judas teria reencarnado com a predestinação de cometer um grande mal moral, ainda que contribuindo para o êxito da missão de Jesus. Isso contraria frontalmente o que aprendemos na Doutrina Espírita.
Se Jesus não sabia que seria traído ou, ao menos, o autor do ato hediondo, enfraquece aos nossos olhos de entendimento comum, a sua própria capacidade de autodeterminação, talvez tendo-se que admitir que, de fato, apenas cumpria a vontade de Deus.
De qualquer forma, o resumo sobre o Evangelho de Judas é que ele era o preferido de Jesus, era o único a entender a essência de seus ensinamentos. Judas teria recebido ensinamentos especiais de Jesus e libertado o seu espírito. Não houve traição e nada fala sobre o seu fim.
Reflexões e revisões
Os historiadores creem que os evangelhos foram escritos bem mais tarde do suposto e não pelos evangelistas, mas por escritores que apanharam os relatos verbais que circulavam nos primeiros tempos após Jesus.
Mateus foi o que mais induziu todos a crer que haviam sido cumpridas as profecias a respeito de Jesus; para ele Judas pediu as 30 moedas de prata. Mas para Lucas e Marcos foram os outros que lhe ofereceram recompensa e não informam a quantia. João foi o único a dizer que Judas cuidava da Bolsa do grupo. O destino das moedas também parece ter sofrido uma elaboração para adaptar a versão às profecias do Velho Testamento. Nem sobre o seu destino final há concordância, se enforcou-se ou precipitou-se de um abismo.
Possivelmente, arriscam muitos estudiosos, o fato determinante para a condenação de Jesus foi ele, implicitamente, admitir que era o rei dos judeus, daí a inscrição na cruz como forma de destruir aquela reputação, o que os romanos não admitiam. Mas o episódio desencadeador teria sido a ação enérgica de Jesus com os vendilhões do templo.
Algumas versões dão conta de que Judas se decepcionou com Jesus porque o imaginava se impondo pelas armas como poder político; outra a de que ele, Judas, quis com a morte do mestre provocar um levante popular contra os romanos. Possivelmente Judas estava entre os seguidores de Jesus repreendidos no templo e então denunciado quem cometera a ação.
Enfim, O Evangelho de Judas provoca muitas reflexões e talvez, até mesmo, revisões na forma como reverenciamos alguns dos personagens presentes na vida de Jesus – e até ele próprio, por que não? – e, ao mesmo tempo, pegamos Judas como o bode expiatório por todo o sofrimento impingido ao nazareno.
A propósito, Boberg não esqueceu das referências mediúnicas sobre Judas que, de certo modo, também poderiam ficar em xeque, embora ele próprio não queira admitir. Mas estudar é preciso. O espiritismo jamais será ultrapassado… Se novas descobertas… se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.
LEANDRO CORSO, Associação de divulgadores do Espiritismo do Paraná (ADE-PR)