Progresso de leitura

Esta semana, comemorou-se o Dia Internacional da Internet. Com relação ao espiritismo, não há como desconsiderar a influência da “grande rede” na difusão da doutrina. O lado bom é que nunca foi tão fácil se ter acesso ao conhecimento e a cultura como agora. Mas o ruim: Não há como se garantir a origem do que se veicula, a formação e os propósitos do que se escreve.

Vamos imaginar uma cena muito comum nas instituições espíritas idôneas, salvo alguns detalhes que não interferem no produto final: o frequentador chega, dirige-se para o local onde colocará o nome dos entes queridos encarnados para receberem irradiação e dos desencarnados para prece. Depois acompanha a reunião do dia, com o preparo de ambiente, prece inicial, exposição de um tema à luz da doutrina espírita e a conclusão dos trabalhos com os comentários finais, a prece de encerramento, o passe e o copo de água fluidificada. Mas… e se, por um motivo qualquer, este frequentador não mais puder ir à Casa Espírita? O que fazer?

No passado distante, provavelmente este frequentador teria que se contentar com o Culto do Evangelho no Lar e a leitura esporádica de livros espíritas. Mas hoje, em pleno século 21, ele pode encontrar tudo ali, na rede mundial de computadores.

A internet, assim como a fé, é um meio de se acessar o que está além de nossa realidade imediata. E ambas se associam nos inúmeros sites religiosos espalhados pela web. Se no começo havia apenas os endereços “oficiais”, hoje existe uma invasão de endereços “pessoais” graças à popularização dos computadores domésticos e da facilidade para se construir um site. Mas, a despeito de todo ufanismo, é preciso, como em tudo na vida, saber separar o joio do trigo.

Hoje são mais de 4 bilhões de pessoas interligadas pelo espaço virtual em todo o mundo, aponta o último relatório Digital in 2018, divulgado pelos serviços online Hootsuite e We Are Social. Aqui no Brasil, algo em torno de 57,8% dos brasileiros tem acesso à internet (segundo dados do IBGE). Para o restante da população, o acesso à fé continua sendo feito do modo tradicional: frequentar o ambiente religioso de sua preferência. Além disto, é preciso ter em mente que nem tudo o que está na internet é sagrado. O profano também navega na rede. É comum entrar numa sala de bate-papo e se deparar com conversas nada dignas, que nem de longe são coerentes com a religião ali representada. Muitos dos presentes na sala nem sequer professam aquela religião. Uma pessoa bem intencionada, querendo se informar sobre a doutrina espírita, por exemplo, pode ter uma ideia muito ruim acerca dela se entrar numa sala de bate-papo cujos participantes escrevem bobagens, grosserias e assuntos frívolos. Cabe aos frequentadores sérios evitar este tipo de distorção. Dirão que a internet é um “espaço jovem” e que uma patrulha ideológica seria inadequada. Ora, existem salas de diversos assuntos, portanto, quem entra numa “sala” de religião, não pode querer outra coisa a não ser falar, debater, trocar ideias sobre ela. Se entra numa “sala” religiosa com outro intuito, então é querer simplesmente anarquizar, e isto exige um patrulhamento saudável.

Os fóruns de debate, as listas de discussão e os sites de comunidades abrem espaço para a propagação de ideais religiosos, mas, também, são utilizados para a prática da intolerância religiosa. Por isso mesmo, as lideranças das principais religiões estão de olho no que vai pela grande rede, mas não com o intuito de fazer oposição ao uso da internet para a divulgação religiosa, já que a Web propicia uma divulgação completa, com texto, áudio e imagem além de proporcionar uma interatividade muito maior que as outras mídias, como a televisão, por exemplo. Aliás, é curioso observar que, no passado, algumas religiões condenavam o uso da televisão. Hoje, estas mesmas religiões não vivem sem este veículo para disseminar suas mensagens. Talvez por isso, a resistência à internet seja mínima: é o progresso – inevitável, inexorável, que não se pode deter, conforme nos alerta O livro dos espíritos em seu 8º capítulo, parte 3.a, todo destinado à lei do progresso. Num comentário neste capítulo, Kardec afirma que “O homem não pode conservar-se indefinidamente na ignorância (…). Ele se instrui pela força das coisas”. Na questão 781, do capítulo em tela, os espíritos nos informam sobre a possibilidade do homem “embaraçar a marcha do progresso”, porém isso será levado em conta perante a justiça Divina.

Mas os oponentes da internet alegam, ainda, que o internauta pode se desligar do contato humano. Ou seja, que o indivíduo fique na frente do computador apenas, não mais participando ativamente de uma religião. Para as religiões de cultos rituais, o presencial é condição imperiosa. O espiritismo não se encaixa neste quadro. Mas também não seria nada bom casas espíritas vazias por conta de um “vício internáutico”.

O alerta parece exagerado. Mas o ser humano é chegado a excessos e isto não é privilégio da internet. Para se determinar um limite, recorramos outra vez a O livro dos espíritos, questão 908, capítulo 12, que nos ensina que uma “paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos…”. Ficar à mercê da grande rede, evitando contato com a realidade é, claramente, um prejuízo, no mínimo, moral. Como que antevendo um debate neste nível, Kardec levanta a importância do contato social na questão 779 (de volta ao capítulo 8), e os espíritos ressaltam que esta importância repousa no fato de que o contato social dos “mais adiantados” auxilia o progresso dos menos adiantados. Este auxílio mútuo é uma das bases da civilização. Que, para ser completa, precisa progredir intelectual e moralmente.

É fato comprovado que a internet ajuda no desenvolvimento intelectual: com alguns cliques podemos visitar museus, pesquisar todo e qualquer assunto, conhecer povos e lugares. E propagar ideias religiosas de todos os credos. Mas não podemos deixar de lado a preocupação com o desenvolvimento moral. Senão, conforme nos alertam os espíritos na questão 793, seremos apenas “povos esclarecidos, que hão percorrido a primeira fase da civilização”. Diante do estudo das leis do progresso segundo o espiritismo, concluímos que podemos utilizar a grande rede no que tange a religião, passar e-mails de belas mensagens, participar de chats e comunidades doutrinárias, sem nunca descuidar, porém, da qualidade moral dos nossos impulsos diante destas possibilidades. Afinal, “nenhum conhecimento é inútil; todos mais ou menos contribuem para o progresso, porque o espírito, para ser perfeito, tem que saber tudo, e porque, cumprindo que o progresso se efetue em todos os sentidos, todas as idéias adquiridas ajudam o desenvolvimento do Espírito” (L.E. q.898).

 

GEORGE DE MARCO é jornalista-redator das publicações periódicas da Editora EME.