DINEU DE PAULA é juiz federal em Curitiba, onde frequenta a Sociedade Espírita Laços Fraternos, participando de grupos de estudos e mediúnicos. Na entrevista a seguir, ele nos conta detalhes sobre seu novo romance mediúnico, A redenção de um lázaro. Narrado por Inácio, antigo tuaregue que conheceu Jesus pessoalmente, o livro mostra como ele foi vencendo suas fraquezas, caminhando em direção à evolução espiritual. Confira:
Qual a principal motivação para escrever A redenção de um lázaro?
Há vários anos, eu estava sentado em minha cama com um livro nas mãos, mas sem ler, apenas pensando. De repente, um Espírito se tornou visível, com uma nitidez impressionante. Observei a pele, os cabelos, os olhos, tudo muito claro, como se fosse um encarnado. Na hora, pensei: quem será essa criatura? Ele estava vestido como um tuaregue, povo que eu nem sabia existir. Disse-me que fora meu pai naquela existência como tuaregue, na qual eu morrera ainda menino. Passei a percebê-lo perto de mim de vez em quando. Certo dia, no grupo mediúnico que frequento, começou a escrever o romance. Entendi que era o relato de uma vida dele e fiquei contente por saber mais a seu respeito.
No prefácio, o espírito Justus diz que Inácio “há muito aguardava a vez de trazer conhecimento público” desta sua vivência. Por que somente agora decidiu divulgá-la?
Creio que era por ser um compromisso espiritual meu e porque as histórias vêm segundo uma ordem. Ele precisou esperar que eu amadurecesse e educasse a mediunidade. Primeiro, psicografei a história de minha mentora, Ana Maria, em Confissões de um Sacerdote. Depois, a relatada por Bernardo, em A história de Matilde. Agora, está sendo levado a público a dele, mas já estou psicografrando uma história vivida por outro mentor da instituição espírita que frequento.
E o que ele pretende com a divulgação de sua história?
Relatar como conseguiu atravessar a porta estreita, para utilizar a linguagem do Evangelho. É quando o espírito vence suas dificuldades, suas paixões negativas, e passa para a ordem dos Bons Espíritos, que apenas desejam o bem.
Faça-nos uma resenha do romance. O que o público irá encontrar em suas páginas?
Inácio, o antigo tuaregue, renasce em uma família espanhola muito religiosa. Mas ele tem uma dificuldade imensa com a figura do Cristo, que conheceu pessoalmente durante a encarnação do Mestre, e a quem, além de não conseguir seguir, ainda agiu para prejudicar. Inácio passa décadas fugindo de situações difíceis, que envolvem a religião. Todas as pessoas de que gosta, são religiosas. Ele se muda de um local para outro, sentindo-se perseguido pela figura do Cristo. Isso até entender a lógica que rege as reencarnações e conseguir superar sua dificuldade.
Qual o principal foco doutrinário de A redenção de um lázaro?
Penso que há vários enfoques e ensinamentos. Mas o principal é o de que Deus é bom. Viver pode ser difícil, pois todos temos nossos desafios. Entretanto, os recursos divinos nunca escasseiam e Ele nunca cansa de nós. Está sempre providenciando o socorro, para que vençamos nossas fragilidades A finalidade da lei divina, das experiências, é que nos pacifiquemos, nos tornemos felizes.
Alguma coisa mudou na sua compreensão da vida, durante a escrita deste livro?
O que se tornou patente para mim é como a fé genuína facilita a vida. Em O evangelho segundo o espiritismo, consta que a esperança é filha da fé (Capítulo 19, item 11). Isso significa que a fé precisa amadurecer até que produza um filho: a esperança. No livro, os personagens com fé sincera conseguem passar por grandes dificuldades sem revolta. Já os outros ficam se debatendo, sentindo-se injustiçados e agindo de forma equivocada.
Durante a psicografia, você teve contato com os personagens e com o ambiente da história?
Sim. Além do personagem principal, identifiquei vários outros, alguns deles encarnados. É curioso como muitos ainda mantêm em si certos traços daquela época (a história se passou antes de 1.500). Em regra, quem conseguiu se superar, hoje é mentor. Já os outros, bastante melhorados, ainda se debatem um pouco. Quanto ao ambiente da época, demorei um tanto para identificar. Talvez porque, no início, imaginava que se tratasse de um relato mais recente. Aos poucos fui me ambientando, vislumbrando, o que me deixou curioso quanto ao desfecho.
Você se emocionou com a história? Sabia antes de alguns acontecimentos?
Eu me emocionei muito. É fácil se identificar com a figura de Inácio, com seus padecimentos, sua angústia com experiências que sempre se repetem. É como ocorre com todos os encarnados, que renascem para aprender algo e depois não gostam de fazer a lição. Entender isso, que nosso papel é fazer o melhor, mas que Deus está ordenando as coisas, possui o condão de evitar revolta e todas as tragédias que ela engendra. Não sabia absolutamente nada da história antes de ela ser escrita.
Você tem alguma relação com esta história?
Tenho. Além do personagem principal ter sido meu pai há muitos séculos, no livro eu sou um dos irmãos dele. Foi uma surpresa me identificar em dado personagem, mas também elucidativo quanto ao meu processo evolutivo.
Em A redenção de um lázaro, a doença de Rosa é encarada como vontade divina. O que seria esta vontade na percepção do espiritismo?
É preciso cuidado ao interpretar certos vocábulos. Vontade, no contexto humano, significa o desejo que se coloca em prática. Ao optar sempre pelo desejo saudável, em detrimento dos outros, é que a criatura evolui. Quem logra só ter desejos bons, evidentemente só faz o bem, pois não tem em si gosto algum pelo que é errado. O espiritismo apresenta Deus como uma inteligência cósmica suprema, infinitamente justa e bondosa, dentre inúmeros outros predicados. É o poder supremo, causa primária de todas as coisas. Para entendê-lo, em sua essência, é preciso um sentido que apenas os Espíritos puros têm. Isso não impede que reflitamos sobre a divindade, tendo em mente seus atributos (suma bondade, poder, justiça, etc.). Nesse contexto, em linguagem possivelmente imprópria, creio que a vontade divina é promover o progresso de sua criação rumo à paz e à felicidade. Isso inclui que todos saibamos viver nossas experiências com dignidade, coragem e confiança. No caso de Rosa, sua programação espiritual era que vivesse pouco, por isso sua doença.
Ao enfrentar suas dolorosas provas, Inácio entende que seu sofrimento foi “preparado” por Jesus. Por que muita gente, ainda hoje em dia (e mesmo entre os espíritas), acredita numa lei punitiva?
É um equívoco, talvez oriundo de vermos tanta dor à nossa volta, algo próprio de um mundo de provas e expiações. Ainda assim, quem vive com prudência e humildade costuma sofrer menos.
Em O livro dos espíritos, afirma-se que a lei divina é feita para a felicidade do homem, que só é infeliz quando dela se afasta (q. 614). Nele também consta que as leis morais são leis naturais, do mesmo modo que as leis que regem a matéria (q. 617). As leis naturais não trazem punição, mas consequências lógicas. Se salto do alto de uma casa, a queda até o chão não é uma punição. É apenas uma consequência da lei de gravitação universal. Do mesmo modo, se faço mal ao próximo, atraio as vivências necessárias a reparar o equívoco. Deus não pune ninguém. Suas leis são educativas.
Podemos afirmar que a ideia de leis punitivas está ligada às nossas tendências materiais?
Sim e a missão do espiritismo é combater o materialismo e colaborar para a evolução moral dos homens. Em O evangelho segundo o espiritismo, o Espírito de Verdade afirma que a doutrina deve ‘lembrar aos incrédulos que acima deles reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande’ (Capítulo 6, item 5).. Como se vê, a bondade vem antes da grandeza. Jesus apresentou Deus como um pai bondoso, mas os homens e as religiões esqueceram isso. Quem entende a Doutrina Espírita sabe que é um Espírito vivendo temporariamente em um corpo. Seu lar é no plano espiritual. Isso deve torná-lo mais leve em relação às ocorrências da matéria, todas passageiras.
Por que Inácio evita Jesus? Seria por considerar que, em seus ensinamentos, o Mestre utilizou cenas fortes, como “inferno” e justiça divina severa, colaborando, ainda hoje, com a imagem de um Deus punitivo do que como educador?
Inácio evita Jesus porque se sentia desconfortável até em pensar nele, quanto mais ao ver suas imagens. É necessário observar o conjunto da mensagem do Cristo, e não passagens isoladas. Esse conjunto é infinitamente consolador. Por exemplo, quando diz que nenhuma de suas ovelhas se perderia, que Deus é mais bondoso do que qualquer pai terrestre, que seu jugo é suave e seu fardo é leve. Jesus foi suave e indulgente com quem o rodeava. Creio que apenas mostrou alguma severidade com os religiosos hipócritas, que incutiam culpa no povo, ao criar regras inúteis e difíceis de cumprir, e fingiam viver virtuosamente.
Seria correto, então, conceber que nos sentimos punidos por trazermos a consciência imersa em culpa?
As ocorrências difíceis podem ser provas ou expiações. Estas em regra se referem ao passado, a vícios cultivados, que nos fizeram errar. Provas se destinam a consolidar virtudes, visam ao futuro. Sentir-se punido pode refletir uma consciência pesada ou apenas incompreensão da finalidade da vida terrestre.
O conceito de lei punitiva será abolido da Terra, ou sempre estará presente?
Sendo uma criação humana equivocada, tende a desaparecer. Em O livro dos espíritos, na questão nº 1.009, consta que o castigo é a consequência natural de um falso movimento da alma, que a faz se afastar do objetivo da criação, que consiste no culto harmonioso do belo e do bem. É uma certa soma de dores necessárias a fazê-lo se desgostar de sua deformidade.
Então, o espiritismo esclarece, para além de qualquer dúvida, que a lei não é punitiva, mas educativa.
A redenção de um Lázaro nos confronta com o sentimento de perda. Como as pessoas podem vencer este sentimento quando do desencarne de uma pessoa muito querida?
É normal certo sentimento de perda, um período de luto. Afinal, há uma separação, possivelmente por longo tempo. A confiança na sabedoria e na bondade divina, que nunca se equivoca, deve levar ao conforto. É a fé gerando esperança no reencontro. Ademais, há o espiritismo, médiuns, o relacionamento com o plano espiritual. Sempre é possível esperar ter notícias de quem se foi.
Por que é tão doloroso ainda para nós o fenômeno da morte física, mesmo para os espíritas?
Porque somos frágeis, humanos. Amar, mesmo que cause dor em dados contextos, nunca é um problema. A dor pode traduzir apenas um sinal de sensibilidade. Lembremos que Jesus chorou enquanto esteve encarnado.
Diante de suas perdas, Inácio se revolta. Que consequências sobre um espírito pode ter a revolta e as lamentações de sua família, quando de sua morte?
Isso costuma perturbar o desencarnado. Se for um espírito mais evoluído, ele lamentará a ausência de compreensão de sua família. Se for alguém mais rudimentar, sofrerá, desejará estar com a família e talvez faça isso mesmo, para desconforto de todos. Não há problema em lamentar, mas sempre com um toque de esperança.
Que mensagem deixaria para quem nos lê, agora?
Que viver vale a pena. Mesmo as experiências mais difíceis, depois que passam, entendemos como elas nos mudaram, nos amadureceram. Deus é bom e sempre podemos contar com seu socorro. Nosso destino é a paz e a felicidade.