Progresso de leitura

Criado e dirigido pelo competente jornalista Carlos Barros, o jornal Pensador, da Paraíba, publicou uma entrevista com Wilson Garcia, falando sobre seu novo livro Ponto final- o reencontro do espiritismo com Allan Kardec. Confira!

O que levou você a escrever este livro e lançá-lo em um momento tão convulsivo de revelações sobre as obras conclusivas de Allan Kardec, adulteradas após a sua morte física?

A oportunidade foi o motivo principal que me conduziu a escrever este novo livro. Há pouco mais de dois anos, retornei a São Paulo, depois de viver 14 anos em Recife, onde fiz extensa relação de amigos. Ao retornar à cidade que me recebeu há mais de 50 anos, tive a felicidade de entrar em contato com o CDOR – Centro de Documentação e Obras Raras e receber o convite para me tornar pesquisador, especialmente do Acervo Canuto de Abreu e as famosas Cartas de Kardec. E muitas dessas cartas desdobraram diante de mim um quadro histórico importante e por demais necessário para ser narrado, uma vez que em minha opinião era o desdobramento de um trabalho que eu havia iniciado em condições inesperadas no ano de 1979, quando ainda estava na equipe do jornal Correio Fraterno do ABC. As cartas sugeriram outros documentos, alargando a pesquisa. O livro agora impresso e em vias de lançamento entregará ao leitor e aos estudiosos outros olhares, outros vieses sobre os caminhos seguidos pelo conhecimento espírita erguido por Allan Kardec.

Pesquisadores e intelectuais espíritas têm falado em resgate do legado de kardec no movimento brasileiro. É chegado o tempo de colocar um ponto final na heteronomia político-religiosa que distorceu ensinamentos e o livre pensar kardequeano?

Sim, é chegado! Como tenho oportunidade de dizer no livro, vivemos um momento histórico ímpar, com os novos estudos, as novas pesquisas, a descoberta de documentos esquecidos, a releitura dos contextos fundamentais que abrigaram a chegada do espiritismo no mundo, tudo isso que forma o ambiente da renovação da consciência espírita que hoje se alicerça. Os fatos agora revistos, as novas fontes com sua água cristalina oferecem a explicação de muitos acontecimentos, especialmente aqueles que fizeram com que o espiritismo estacionasse aqui, se desviasse ali e se tornasse incompreensível e contraditório em vários dos seus fundamentos. É por isso que todos nós, sinceros estudiosos, nos sentimos muito felizes por perceber que os desvios provocados intencionalmente ou por mera ignorância fizeram com que Kardec fosse para um lado e a sua doutrina para outro, estabelecendo a confusão da heteronomia, velha e carcomida, que como um joio se misturasse com a autonomia, a nova pilastra oferecida por Kardec como forma de libertação de mentes e corações, na conhecida expressão da verdade que liberta.

Você acha possível uma mudança de paradigma filosófico e doutrinário, mantido há mais de 100 anos por entidades federativas brasileiras?

Não! O que está posto não será reformado; deverá morrer com o tempo, assim como morrem os corpos físicos, materiais. Os homens institucionalizam, burocratizam, ritualizam, mitificam e acobertam a luz. O pensamento, contudo, a única coisa impossível de deter, segue como a luz na escuridão, para estabelecer os novos rumos, as novas formas e, por fim, a nova consciência que Kardec fez ver ao falar da religião filosófica que só pode ser concebida sob o guante da liberdade e da moral autônoma. Os espíritos heterônomos é que se modificarão e quando isso ocorrer, por imprestáveis, deixarão morrer as obras que defenderam, visto não ter nenhum valor o esforço de reformá-las. Em seu lugar, esses mesmos espíritos que hoje se contentam em remendar com pano novo as antigas vestes, eles mesmos vão se vestir do novo para construir o edifício da verdade e do bem. Estamos auxiliando a encontrar Kardec sob os escombros e monturos de nulidades dos que desejaram soterrá-lo. Os homens, sensibilizados, se encarregarão, cada um com o seu esforço próprio de compreensão, de retirar peça por peça da velharia que amontoaram sobre a doutrina, visando sufocá-la. E ao fazê-lo, farão se abrir uma vez mais os raios do sol do espiritismo.

Como a nova geração de espíritas que está surgindo no país pode contribuir na ressignificação dos aspectos científico e filosófico-moral da doutrina?

Esta é uma das razões da felicidade que muitos sentem no momento presente, ou seja, o ver surgir, aqui e ali, estudos e pesquisas feitas por homens e coletivos livres, desprendidos das amarras do conservadorismo paralisante. Somos testemunhas oculares de um tempo chegado que, por mais que tenha contra si o reacionarismo dos adversários da liberdade, forja seres dispostos a encontrarem por si mesmos, como Kardec chega a pedir em carta a Roustaing (veja meu livro) quando o convida a silenciar a voz que tenta desvalorizar o médium Sabò, repetindo, seres dispostos a encontrarem por si mesmos a luz, a consciência, a compreensão, diante do que podem também exercer o livre-arbítrio. Kardec não aceitou que lhe impusessem o modo de ver e de decidir, preferindo por si mesmo chegar à luz. Kardec fez disso um conselho para todos os demais seres humanos. As novas gerações, livres das peias e mortalhas alucinantes, estão aí para fazer o trabalho que deveria já ter sido feito, clareando o passado e desvendando o futuro.

A velha geração, equivocada em seus pontos de vista doutrinários, está com seus dias contados em relação a influência que ainda tem sobre parte da juventude espírita?

Infelizmente, o movimento espírita envelhece a olhos nus, sem que se tenha disso clareza, pois o tempo muda cada vez mais rápido e se não é acompanhado com o olhar do futuro a tudo obnubila, deixa turvo. Estamos todos aqueles que só têm olhos para o que está um metro adiante, condenados à desilusão, ao fracasso, à morte. Nossa juventude já foi desbravadora, intrépida, mas fenece a olhos vistos em razão da incapacidade dos líderes de compreender seus arroubos e oferecer-lhes o apoio imprescindível. Antes, ficamos preocupados com seus possíveis erros e cerceamos-lhe o caminho, retiramos-lhe a liberdade e a aprisionamos na inutilidade espiritual e moral. Colhe-se agora o que se plantou atrás. Os poucos grupos espíritas que ainda se preocupam com a juventude em nosso movimento, os lúcidos das dificuldades de conviver com os jovens e prepará-los estão diante de um enorme desafio: o de fazer com que a Razão seja o móvel de sua presença e desenvolvimento entre nós. A juventude não quer laços, quer, isso sim, saber se pode viver e construir por si mesma o seu destino.

Esse reencontro do espiritismo com Kardec, colocando um ponto final nos cismas teológicos que deturparam a essência filosófica da doutrina, vai melhorar o movimento e suas atividades em que ponto?

Sim, estamos diante de uma unidade fundamental: AUTONOMIA. A heteronomia quer ditar os destinos dos homens, a autonomia quer que os homens ditem o seu destino. Quem será capaz de compreender isso? Pois isso está na origem do espiritismo, no pensamento fundamental dos Espíritos Superiores, na súmula que Kardec fez desse pensamento. O novo irrompe das experiências que o homem realiza no solo do planeta e a experiência é feita sob a condição superior da livre decisão, da hipótese formulada, da esperança, da dúvida, da necessidade da descobrir. O Ser é filho da luz, não da luz que lhe oferecem por imposição, mas daquela luz que encontra na razão das razões. É este, indubitavelmente, o Kardec que aparece no seu reencontro com a filosofia que assinou e pôs aos olhos do mundo no dia 18 de abril de 1857, na luz da cidade de Paris.

Suas considerações finais

A consciência espírita não se realiza no saber completo e definitivo, mas na certeza da incompletude do próprio saber espírita. Mesmo que Kardec não houvesse previsto, a doutrina é desafiada, o ser humano é desafiado e o progresso desafia. Porque sem o desafio do progresso o ser atrofia e por consequência atrofia o conhecimento.

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