O Céu e o Inferno: 157 ANOS DE UM ILUSTRE DESCONHECIDO

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Progresso de leitura

Apesar de seu valor doutrinário O Céu e o Inferno é uma das obras básicas menos lidas – e conhecidas – até mesmo entre os espíritas

Sob os parâmetros da doutrina espírita, a definição sintética de ‘céu e inferno’, desenvolvida pelos espíritos da codificação respondendo a Allan Kardec, é a de que ambos são, apenas “estados de consciência“, conforme as últimas questões da obra O Livro dos Espíritos. Estes estados, ressalta a obra, não são exatamente delimitados materialmente e sim por toda a parte, pois “cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou desgraça”.

A partir da questão 1012, as perguntas de Kardec esclarecem e desconstroem as concepções de paraíso e inferno. Aprendemos ali que as penas e os gozos estão ligados ao grau de perfeição dos espíritos.  E o purgatório passa a ser entendido como “dores físicas e morais: o tempo de expiação”.

Com o progresso moral e intelectual das pessoas, dentro de um processo de racionalização das ideias, as alegorias fantasiosas sobre o céu e o inferno exigem uma explicação racional. Estava, portanto, “reservado ao espiritismo dar de tudo isso a explicação racional, mais grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora para a Humanidade” (LE, 1017).

Porém, para se aprofundar na lógica exposta por Allan Kardec ao refutar os conceitos convencionais de céu, de inferno e de purgatório, bem como as ideias errôneas a respeito do demônio e de sua intervenção sobre as criaturas humanas, foi preciso um aprofundamento da quarta parte de O Livro dos Espíritos.

Prestação de contas

De acordo com o livro Obras Póstumas, em 30 de setembro de 1863 Kardec foi avisado pelos Espíritos Superiores que chegara a hora “de a Igreja prestar contas do depósito que lhe foi confiado”. Essa prestação de contas, iniciada em O Evangelho Segundo o Espiritismo, continuou, dois anos depois, com o lançamento do quarto livro da Codificação Espírita: O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina segundo o espiritismo.

Lançado em Paris no mês de agosto de 1865, O Céu e o Inferno já havia sido apresentado ao público em janeiro daquele mesmo ano, quando dois capítulos da obra foram publicados na Revista Espírita daquele mês, com o título Da Apreensão da Morte. Depois, em março, outro artigo, Onde é o Céu, trazia uma nota final anunciando que aqueles dois textos, em verdade, pertenciam a uma “nova obra que o Sr. Allan Kardec publicará proximamente”.

Argumentação lógica

Partindo da premissa de que Deus é amor infinito e soberanamente justo, e que, portanto, não poderia gerar um local de sofrimento eterno e não criaria espíritos em condições de privilégio, O Céu e o Inferno é pedagogicamente dividido em duas partes.

Na primeira, apresenta “o exame comparado das diversas crenças sobre o céu e o inferno, os anjos e os demônios, as penas e as recompensas futuras. O dogma das penas eternas é aí tratado de maneira especial e refutado por argumentos colhidos das próprias leis da natureza, leis que demonstram, não só o seu lado ilógico, centenas de vezes já assinaladas, como a sua impossibilidade material”, nas palavras do próprio codificador.

Desmembrada em 11 capítulos, a primeira parte, logo de cara, no item 1 do capítulo 1, levanta questionamentos que a humanidade vem tentando decifrar há séculos: continuamos a viver após a morte? Se sim, então para onde vamos? Existem anjos e demônios? Cada item, cada comentário, cada raciocínio, leva-nos a refletir seriamente sobre a abundância do conhecimento que a teoria espírita nos apresenta em vários assuntos tratados, como as causas do temor da morte, porque os espíritas não temem a morte, a doutrina das penas eternas, o código penal da vida futura (que merece maior atenção por parte dos espíritas) e até a proibição de invocar os mortos, entre outros.

A segunda parte, com oito capítulos, traz a narrativa dos espíritos que se encontram em diversas situações no mundo espiritual, desde que aqueles que são felizes e outros que estão em sofrimento, arrependidos ou não. Através da evocação, espíritos de pessoas das mais diferentes classes sociais, crenças e condutas, relatam sua chegada ao mundo espiritual e sua vivência após a morte do corpo físico, além de narrar sobre como suas atitudes terrenas afetarão suas vidas futuras. Os ensinos espíritas aqui contidos nos fazem entender a morte e por que não devemos temê-la.

Desta forma, a segunda parte de O Céu e o Inferno complementa e valida toda argumentação lógica exposta na primeira parte. E é por isso que o filósofo, educador e escritor José Herculano Pires, um dos mais ativos divulgadores do espiritismo no país, escreveu, na introdução desta obra em sua edição de 1973, que a “importância deste livro é maior do que realmente se pensa”. Neste mesmo texto, o jornalista faz questão de ressaltar que “este livro de Kardec tem muito para ensinar, não só aos espíritas, mas também aos luminares da inteligência neo-pagã que perdem o seu tempo combatendo o espiritismo (…)”.

O menos lido

Mas o artigo de Herculano chama a atenção para um detalhe importante: “Mesmo entre os espíritas este livro é quase desconhecido. A maioria dos que o conhecem nunca se inteirou do seu verdadeiro significado” – lembrando que o texto de Herculano foi escrito há 46 anos.

Infelizmente, ao completar 157 anos, O Céu e o Inferno segue como uma das obras básicas menos lidas – e conhecidas – não apenas do grande público mas, surpreendentemente, do próprio espírita.

Não obstante o valor doutrinário, a riqueza do conteúdo reafirmando o caráter científico do espiritismo enquanto ciência de observação, na medida em que se aprofunda nas questões milenares da metafísica, ele é o menos lido dos livros básicos da Codificação, de acordo com levantamentos estatísticos feito pelas editoras que o publicam.

Tais levantamentos concluíram que os não-espíritas já tiveram contato e/ou ouviram falar das obras psicografadas por Chico Xavier. Outros médiuns também são citados antes mesmo de O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos (nesta ordem). Já entre os espíritas as respostas não mudam quase nada.  Uma rápida busca na internet sobre “os melhores livros espíritas” (ou “mais importantes”) e vamos observar que a situação se repete também no mundo virtual.

Para mudar este quadro, e seguir a recomendação do Espírito de Verdade para que nos instruamos, é importante que os espíritas incluam em seus estudos doutrinários, esta bela e formidável obra – O céu e o inferno, mais uma pérola no valioso colar do conhecimento doutrinário, bem como a aplicação dos seus princípios ao viver cotidiano.

 

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