Progresso de leitura

Há personagens na História do Brasil que, dada a sua importância, merecem ser conhecidos ou relembrados. O que trazemos a seguir é um deles.

Para aqueles que pensam sobre o estado atual da nossa educação, é tristíssimo o quadro que todos os dias se nos apresenta à vista. A educação da mocidade continua cada vez mais descurada. […] Na ignorância das coisas mais essenciais às grandes leis da vida, desfazem-se laços de solidariedade que devem unir os seres humanos e conduzi-los para um fim comum. […] É por isso que os caracteres vão se abatendo, a venalidade cresce, a corrupção se avoluma como uma onda de perdição. ¹

Essas palavras, que nos soam tão familiares nos dias atuais, foram ditas em 1901 pela educadora Anália Franco. Na ocasião, ela pronunciava um discurso na inauguração da Associação Feminina Beneficente e Instrutiva do Estado de São Paulo (AFBI), por ela criada, cujo principal objetivo era tentar, “pela educação das classes desvalidas, pobres e abandonadas, regenerar uma grande parte da sociedade”.

Anália Franco (1853-1919) foi uma das mais notáveis personalidades no cenário paulista, nas décadas iniciais do século passado. Tendo ingressado no magistério ainda muito jovem, fez da educação, seu ideal de vida. Coração sensível e espírito destemido, posicionou-se, nos anos febris do final do século XIX, como uma ardente defensora do regime republicano e da abolição da escravatura, o que a levou a se colocar ao lado das crianças negras, pobres e órfãs, oferecendo-lhes amparo e educação.

Educadora, feminista, escritora, jornalista, Anália Franco se destacou por seu intenso trabalho junto aos desprotegidos e desvalidos.

Emancipação feminina

A AFBI abrigou inúmeros projetos no campo educacional, tanto na capital quanto no interior do Estado de São Paulo. Acreditando que “conceber o bem não basta; é preciso fazê-lo frutificar!”, dedicou sua vida à prática da caridade e ao amor ao próximo. Nos anos que sucederam à criação da AFBI, a educadora não parou de criar escolas para crianças a partir de dois anos de idade, asilos para amparar crianças órfãs e mulheres desprezadas pela sociedade, cursos profissionalizantes para jovens, cursos noturnos de alfabetização de adultos, curso de preparação para o magistério, entre tantas outras iniciativas.

Outra faceta sua, da maior importância para a época, foi a atenção constante que dava à emancipação feminina mediante o binômio educação e trabalho, o que a levou a abrir um albergue diurno, além de asilos e creches destinados a acolher as crianças no período em que suas mães estavam trabalhando.

Cabe ressaltar que, ao contrário do que se praticava na época, seus educandários ofereciam acesso indiscriminado a crianças, independente da sua condição socioeconômica, gênero, cor da pele e credo. Foi pioneira na implantação de classes congregando meninos e meninas, lado a lado.

Autonomia dos educandos

Anália é uma figura tão intensa, que atuou em tantas frentes, com uma liderança espontânea que a fazia querida de todos, que é impossível dar conta dos seus feitos em algumas páginas. Aqui fazemos apenas um pequeno recorte, no qual destacamos, ainda, a sua preocupação com a liberdade e autonomia dos educandos, mediante algumas práticas que iam além da mera instrução.

Com uma apurada visão de futuro e demonstrando ser uma excelente gestora, criou uma tipografia e várias oficinas de costura, de flores e chapéus, favorecendo a aquisição de uma profissão por parte dos alunos e alunas. A tipografia servia a toda uma gama de trabalhos internos, como livros, jornal, panfletos, material de divulgação (inclusive espírita), além de oferecer serviços externos que geravam recursos financeiros. As mercadorias produzidas pelas alunas eram vendidas em bazares próprios da AFBI e a renda era destinada à manutenção dos seus projetos educacionais.

Em uma fazenda que adquiriu, dez anos depois de fundada a AFBI, implantou um setor agrícola que permitia associar a iniciação ao trabalho para os jovens de ambos os sexos, à obtenção de meios de sustentabilidade dos seus educandários. Pelos objetivos a que se prestava, foi denominada de Colônia Regeneradora.

Valorização do ser humano

Se na sua visão educacional havia esse lado mais prático, o que a fez se destacar como educadora respeitada e admirada por todos foi, sobretudo, a forma de valorizar e engrandecer o ser humano, em uma época marcada por preconceitos de toda ordem. Educando e amparando, como já dissemos, crianças órfãs, mulheres desprotegidas, jovens marginalizados e todo tipo de pessoas discriminadas pela sociedade, era natural que associassem a sua obra ao assistencialismo puro e simples. Mas seus educandários e oficinas eram o oposto disto, como se pode ver por suas palavras: “Quero também repetir-lhes que a caridade não é só aquela que acolhe o desprotegido, mas a que lhe dá independência. Agasalha-o, sim, mas também lhe incute a confiança em seu potencial e valores próprios”.

No seu entender, a caridade verdadeira é aquela que faz do educando um elemento  construtivo no grupo social, e não um “parasita a recolher migalhas que sobram dos que possuem em excesso”.

Seu principal objetivo como educadora era “formar cidadãos úteis, com iniciativa e capacidade, prontos a colaborar, nunca a pedir”.

E pensar que essa visão tão avançada era sustentada por uma mulher que nascera em meados do século XIX! Mas ela é, provavelmente, o reflexo da sua formação espírita e da bagagem que trazia de vidas passadas.

O fato de Anália Franco e seu marido Francisco Bastos serem espíritas não era muito divulgado na época, embora houvesse até mesmo uma de suas escolas funcionando, à noite, como centro espírita. É importante que se entenda que a AFBI era mantida com verba pública e com recursos do seu quadro de mantenedores, a maioria católica. Para não se indispor com as fontes financeiras que sustentavam suas obras, sempre que alguém lhe perguntava sobre a religião que professava, ela respondia que era o amor. Foi com essa postura que sustentou a associação por tantos anos.

Uma educadora à frente de seu tempo

Ao desencarnar, ela deixou implantadas 110 escolas, entre asilos, creches, escolas maternais, liceus femininos e a colônia regeneradora, além de uma escola de música, uma banda feminina e um grupo de teatro. Todas essas obras receberam apoio da sociedade civil, da maçonaria e de grupos espíritas, além de subvenções públicas (em certas ocasiões) para a sua manutenção.

Seu exemplo de educadora à frente do seu tempo é um espelho no qual deveríamos nos mirar.

E, para a nossa alegria, há alguns anos, Anália Franco se faz presente orientando pais e educadores com sua palavra elucidativa e amorosa, por meio de mensagens mediúnicas. Por tantas inspirações luminosas que nos traz, a reverenciamos como uma mentora amiga a quem devemos eterna gratidão.

 

LUCIA MOYSÉS no livro Educação para um mundo melhor