Na apresentação de Um infinito renascer você afirma que a obra começou a ser rascunhada na última década do século passado. Poderia nos explicar o motivo de só terminá-lo agora?
Primeiro, pela exorbitância de personagens, tramas entrelaçadas, pesquisas, tudo retardava desfecho satisfatório. Orientada a trabalhar no romance em dias e horas fixas, disciplina exemplificada por Chico Xavier, enfim dei por terminada a primeira versão (474 páginas).
E surgiu nova dificuldade… Os amigos espirituais instruem os autores a ouvir o parecer de espíritas mais experientes, antes de publicar suas obras. Porém, todos os que se dispuseram a ler o calhamaço, perdiam-se em meio ao labirinto de histórias e personagens. Acabavam desistindo, e eu, tentada a desistir também.
Juntaram-se a tais transtornos várias perdas familiares, inclusos a mãe, e o companheiro de uma vida… Resultado: o livro ficou em stand by.
Só reagi quando duas fraturas me imobilizaram em uma cadeira de rodas. Dependente de terceiros, sentia-me inútil e bem desconfortável. Um dia, em preces, entendi o recado da Espiritualidade: as mãos e a mente estavam aptas ao serviço na seara do bem! A disposição abriu portas e janelas à inspiração: tinha diante dos olhos dois livros distintos, e independentes. Bastava desmembrá-los.
Tarefa iniciada na convalescença e terminada na normalidade da saúde, após seis anos. Novas pesquisas demandaram paciência, assim como desvincular as tramas de metade dos personagens, e criar outras sem contato entre elas. Na versão original, observada a trajetória milenar do Espírito, todos tinham, respectivamente, pendências a sanar de uns para com os outros.
Também na apresentação da obra você diz que teve “encontros espirituais significativos”. Poderia nos detalhar de que forma eram estes encontros? E com quem?
Durante o sono, hora em que, os espíritas sabemos, o Espírito interage com seus iguais também parcialmente libertos do corpo, ou livres, residindo na Dimensão Extrafísica. Encontrei personagens de Um infinito renascer nessas incursões noturnas e vivenciei situações perfeitamente coerentes com o enredo. Estava claro para mim o porquê das vivências, e não tive dúvida em descrevê-las no romance. Mais de uma vez estive no Velho Mundo, que jamais visitei no corpo que me serve atualmente. Algumas pessoas se apresentaram, dizendo o nome que têm na obra e, nas suas atitudes, demonstravam me conhecer de outras vidas. Geneviéve, por exemplo, se mostrou muito diferente da personagem, e disse, textualmente, que eu tinha melhorado muito! E ela também, pude observar.
Ao acordar, em paz, angustiada, alegre ou chorando, anotava os “sonhos”, a fim de não esquecê-los.
Em linhas gerais, o que a motivou a escrever Um infinito renascer?
Já estava no mercado editorial com obras literárias profanas, se assim posso dizer, ao me descobrir espírita – nasci com a convicção –, bastou um “empurrãozinho” para o alma gritar, era o que eu procurava! Daí a desenvolver ficção com temática espírita, um passo. Um infinito renascer e o irmão gêmeo, a que, conforme me foi ditado durante o sono, chamei Libertação no lar (Editora Esperança e Caridade, Sacramento, MG)foram motivados por uma fala de Emmanuel, o guia espiritual de Chico Xavier.
Pode nos contar melhor como foi este momento? O que Emmanuel lhe contou?
Falávamos de filhos, na única visita que fiz ao Chico, e mencionei equívocos de mãe nova e imatura na condução dos três espíritos a mim confiados pelo Criador.
Na primeira pausa Chico Xavier narrou considerações de Emmanuel, seu guia ali presente, a respeito do “ser mãe”, e repetiu o enunciado do venerável Espírito: Um dia todo espírito, candidato à maternidade na Terra, frequentará um curso de 15 anos, em uma das faculdades do Plano Espiritual, para se credenciar ao pleno exercício do encargo divino. Imaginem que isso se deu em 1993! Pela fala de Emmanuel, concluo que não havia criaturas plenamente preparadas, para gerar um corpo, tampouco educar o espírito que o animaria na escola-oficina-hospital chamada vida terrena…
Em estado de graça diante do médium de Uberaba, que me recebeu com a lhaneza típica, a ficha só caiu durante a viagem de volta a Belo Horizonte. Caiu com o peso de responsabilidade extrema, como justificativa à aptidão inata para a escrita, intrínseca ao dever de agradecer. Era um compromisso meu!
Curioso é que nasci e vivi a primeira infância no meio rural inculto, sem livros, como explicar o dom senão pelo transcendente? Confesso, o “dever de casa” me angustiou. Convivi com o receio de retornar à vida imperecível sem conclui-lo. Louvado seja Deus por me encaminhar à Editora EME, que Ele abençoe esta Oficina a serviço da doutrina espírita!
Como funcionam essas Faculdades espirituais preparatórias de futuras mães terrenas?
Importante, as Faculdades são reais, mas o funcionamento e a diretriz específicos, resultam de inspiração com o tempero ficcional e boa dose imaginativa. Nessa linha, as células do Mãe Maria (Curso de Mães) lembram as terrenas, com dificuldades e vitórias comuns. Principais diferenças: contrastes de aluna para aluna de uma série, com seu “currículo existencial de milênios” e frequentes evasões que redundam em reencarnações de mães fadadas ao fracasso. Na grade curricular, disciplinas desde namoro, sexualidade e casamento, a gravidez, parto e aborto; também o aleitamento materno e os caracteres individuais da prole: filhos-problema, deficientes físicos e mentais, homossexualismo etc. Em comum com a faculdade de mães, estuda-se nas séries do mais recente empreendimento, o Instituto Carpinteiro José (Curso de Pais), entre outras, matérias tais como:Caridade, Renúncia, Abnegação, Devotamento e disciplinas afins com a responsabilidade dos genitores perante o Criador, que lhes confia Suas criaturas.
Qual a melhor definição, em termos doutrinários, que se pode dar para “aborto”?
Entendo que o aborto é um grave atentado à vida de um incapaz, com severos reflexos na saúde física e psíquica da matriz e dos patrocinadores, diretos e indiretos, aliado a possível obsessão pelo espírito logrado.
Por que é tão difícil as pessoas entenderem que o aborto é uma prática criminosa, se todos sabem que no aborto está se tirando uma vida?
A questão é que um grande contingente considera embrião ou feto apenas um amontoado de células, até então, parte do corpo da mulher. Daí a expressão – A mulher é dona do próprio corpo e dele pode dispor segundo a sua vontade – equívoco que se arrasta, entra ano, sai ano. Todavia, justifica o procedimento perante os adeptos da teoria de que a vida começa no nascimento.
Como o espiritismo pode contribuir de modo a evitar a legalização do aborto em nosso país?
Seguindo com o trabalho de formiguinhas, ou da água batendo na pedra dura. O exemplo e a palavra serena aos que tiverem ouvidos de ouvir, e preces pelos corações petrificados na teimosia, evitam mais do que se pensa a “tragédia programada”. Cada um tem a hora do despertar, e ela chegará, mais cedo ou mais tarde, sem prejuízo do esclarecimento mente a mente, consciência a consciência. Esperemos, a verdade nos libertará. Como diria Bezerra de Menezes, a tarefa é urgente, mas não apressada. Penso que legalizado pela lei temporal, ou na clandestinidade, o aborto só será erradicado com o despertar coletivo.
Uma mãe que não tem muita consciência do que seja realmente o aborto, poderá vir a sofrer sua prática da mesma forma que uma mãe que o pratica com plena consciência?
É muito diferente. Ao se apossar do livre-arbítrio, a mulher e o homem fizeram um pacto com o termo, responsabilidade. Logo, essa liberdade de ação, o fazer ou o não fazer, pontifica na ficha espiritual como o fiel da balança na contabilidade divina.
Quando se fala em aborto, sempre temos a figura da mãe, mas como fica a responsabilidade do pai, que se omite, e dos outros que incentivam a esta prática?
O pai omisso, só por isso faltou com a caridade, tem peso. Imaginem o pai que constrange ao aborto, sem considerar os sentimentos, os traumas e frustrações maternos… Peso triplicado. Se incentiva, a culpa equivale à compreensão: para ele há vida intrauterina ou não há? O mesmo se aplica aos demais que incentivam e/ou facilitam. Quanto mais esclarecidos, maior a responsabilidade, assim caminham os homens e as mulheres rumo à libertação. Vale lembrar o Instituto Carpinteiro José, referido em Um infinito renascer. Uma geração de futuros pais, diplomados na Espiritualidade, já não estaria entre nós?…
Como se poderia reparar, pelo amor, um aborto?
A adoção de filhos alheios, amando-os e educando, como se fossem da própria carne, pode ser boa terapêutica. Nada impede de o filho adotivo ser o espírito logrado, encaminhado aos novos pais por uma “coincidência” muito bem dirigida por espíritos a serviço de Deus. Uma alternativa reparadora é se dedicar a algum projeto com crianças carentes, o voluntariado, essas coisas. O espírito martirizado, ligado ao corpo em formação, conserva os reflexos da agressão em extrema penúria, necessita de orações – orar por ele representa o amor em movimento. Imagino que toda ação que favoreça o “não” ao aborto é válida, por exemplo, o esclarecimento de meninas e adolescentes de ambos os sexos. Por extensão, noções do assunto na escola, tema ainda tabu que, acredito, se bem orientado por especialistas, evitaria maiores sofrimentos futuros.
Um infinito renascer revela a saga de um grupo de espíritos – réus e vítimas – em busca de redenção através da reencarnação, geralmente em família. Isso significa que os maiores resgates a serem cumpridos são mesmos os de dentro da família? Que todos os conflitos familiares tem sua origem em existências anteriores? Isso sendo verdade, como fazer para tentar nos corrigir e resgatar nossa “dívida”?
Pelo que estudo da doutrina espírita, os resgates acontecem com pessoas próximas, da família, agregados, amizades e inimizades ao longo da vida. Portanto, um parente difícil muitas vezes é algum credor, ou também instrumento de provação na família. O estranho que se infiltra na intimidade do lar, de modo aparentemente gratuito, de repente é o anjo bom apto ao socorro na hora do testemunho. Particularmente não vejo nos conflitos familiares, invariavelmente, resíduos a filtrar de outras vidas.
É comum no presente adicionarmos juros a boletos milenares, e pagarmos nesta encarnação mesmo, se vivenciada a máxima do Cristo – Reconcilia com o teu adversário enquanto estão a caminho. Logo, procuremos o irmão que maltratamos, peçamos desculpas aos pais por algum julgamento precipitado, reembolsemos o parente pelo prejuízo etc. Enfim, consola saber que nunca regredimos, podemos estacionar, mas dar de ré, isso não!
Alguns críticos gostam de afirmar que esta visão sobre a família servir como resgate faz da doutrina espírita uma “destruidora dos laços de família”, que a reencarnação provocaria um relaxamento dos laços familiares. Como o Espiritismo encara essa questão?
Com a calma própria da certeza de que, na Terra, estamos em um grande laboratório, fazendo experiências e pesquisas de campo, aprendendo e solucionando problemas – crescemos em inteligência e espiritualidade a cada problema superado. Importa a consciência de que, no Mundo Espiritual, o da verdadeira vida, no futuro nos reuniremos de novo aos entes queridos – eles, os membros constituintes da Família Maiúscula –, jubilosos pela vitória sobre nós mesmos.
Existem familiares que, por mais que tentem, não conseguem se entender. É melhor que “cada um siga o seu rumo”, ou devem tentar a conciliação a qualquer preço?
O limite para tentar a conciliação está no momento em que há risco à integridade física das partes. Quanto a preces pelo arrivista, não existe barreira. Elas operam milagres, não da noite para o dia, e, não raro, sucede depois da chamada morte: problema eliminado de vez e para sempre em vidas futuras. O Evangelho ensina que o perdão não significa abraços entre os antagonistas de há pouco; sim o “não” a vingança, aliado ao desejo do bem, ao auxílio, se preciso, e a satisfação por vitórias do ex-adversário. É difícil, bem sei, e quase impossível esquecer. Penso que o perdão se exerce quando não dói mais lembrar a ofensa.
Afora os resgates, que finalidades outras podem justificar a formação de uma família terrena?
Merecimento para o trabalho em comum na subida de mais um degrau rumo à perfeição, seria uma. Ou a oportunidade pedida para jornadearem juntos no auxílio a afetos retardatários. A natural atração por se sentirem bem uns com os outros, quem sabe. Compromissos assumidos junto aos superiores para a concretização de determinado serviço ao bem coletivo… Inúmeros os motivos, todos porém, obedecem a uma ordem pré-estabelecida nos códigos divinos, visando a felicidade a que somos indistintamente destinados.
Qual seria a melhor maneira de abordarmos o assunto da importância da família – e da pouca importância que o mundo a lega nos tempos atuais – com os nossos filhos, baseados no Evangelho?
Pergunta difícil, cuja resposta nos garantiria a estabilidade emocional que carecemos. Suponho que o exemplo seria um bom aliado, ele diz mais do que o discurso escorreito, por mais bem intencionado seja. Na minha opinião, nunca devemos desprezar o diálogo pais/filhos, o respeito de uns para com os outros, procurando entender ideias forasteiras ao estabelecido a que nos acomodamos. Ideias que povoam o universo das novas gerações que, decididamente, não há como ignorar, apesar do espanto e/ou a estranheza que elas comportam. Suponho que na posse desse material, dissecado e analisado, reuniremos elementos para entender o turbilhão que nos assola, suas causas e consequências.
E que mensagem deixaria para quem nos lê, agora?
Serenidade e equilíbrio, para começar, na certeza de que Deus está no comando. Por que pandemias, banalização da vida, fome, genocídios, autoritarismo e desapreço pelo próximo? No rasto da solidão virtual do Século XXI nossa privacidade é invadida, disseminam-se golpes, a má-fé dita o proceder e a perplexidade nos dá o braço – pergunta-se, por que? Aonde nos levarão o descaso com os recursos naturais da Casa Planetária e suas consequências catastróficas no clima? Quando será saciado o apetite do consumo desenfreado, e até quando continuaremos ignorando os malefícios do lixo descartado sem critério? Mas, principalmente, que sentido faz o morticínio de jovens mandados ao campo de batalha por senhores palacianos? Por que guerras? Guerras nascidas da ganância por terras que existem, preexistem e pós-existirão ao homem, para quê?!
Infinitas as perguntas, resposta resumida na confiança, reflexão e bom senso. Em síntese, a serenidade e o equilíbrio antes mencionados. Geralmente reformas começam em demolição. Meditemos na possibilidade de reorganização do caos, por berço regenerativo do Planeta.