Paranaense da cidade de Palmeira, DINEU DE PAULA é Juiz federal em Curitiba, onde frequenta a Sociedade Espírita Laços Fraternos.
Espírita desde a adolescência, participa regularmente do programa de TV A Vida em Foco, onde responde perguntas, faz crônicas e concede entrevistas sobre temas doutrinários. Além disso, atua como orador e articulista espírita e é palestrante em centros espíritas de Curitiba e região metropolitana. Também fez parte da equipe de redação do programa Momento Espírita, da Federação Espírita do Paraná.
Autor de diversos artigos publicados na revista Reformador e nos jornais Mundo Espírita e Norte Espírita publicou, pela Editora EME, os romances Confissões de um sacerdote, A história de Matilde e A redenção de um lázaro.
Nesta entrevista, ele nos fala sobre o novo romance mediúnico Quem olhará Romeu?. Ditado pelo espírito Esdras, mentor da casa espírita frequentada por Dineu. “No momento em que soube que Esdras pretendia contar uma história, interessei-me pelo que tinha a dizer”, conta o médium. Confira:
Qual a principal motivação para escrever Quem olhará Romeu?
O autor espiritual, Esdras, é um mentor do centro espírita que frequento. Ele se apresenta com aparência de franciscano e um dia me disse que teve a felicidade de conviver com o ‘Sol de Assis’, quando ele esteve na Terra. No momento em que soube que Esdras pretendia contar uma história, interessei-me pelo que tinha a dizer. Logo nas primeiras linhas, identifiquei de que se tratava, pois os Espíritos Amaro e Natália, personagens do romance, comparecem com frequência no referido centro e já havia podido vislumbrar diversos lances de suas vidas em ocorrências da reunião mediúnica.
O que o espírito Esdras pretende transmitir com este romance?
Penso que sua intenção é mostrar o perigo de viver fantasias à custa da própria dignidade, como se fosse um modo ou talvez o único modo de alcançar a felicidade, a plenitude. Que os deveres que a vida apresenta são um guia seguro do que nos incumbe fazer para sermos plenos. Não há felicidade sem paz e não há paz sem consciência tranquila pelo dever bem cumprido.
Durante a psicografia, você teve contato com os personagens e com o ambiente da história?
Bastante. Eu já conhecia alguns pequenos lances da história em razão de Espíritos sofredores que foram atendidos por Amaro e Natália por minha mediunidade. Muitos dos personagens estão atualmente reencarnados e vivem as consequências da conduta indigna que se permitiram no passado. Esdras é muito hábil em retratar cenas. Algumas são bastante pesadas, mas ele soube usar a linguagem precisa para que ficassem nos limites do decoro, sem prejuízo da compreensão do ocorrido. Como eu frequentemente vislumbrava a íntegra dessas cenas, ao psicografar, admirei-me da habilidade e do talento do autor espiritual.
Você tem alguma relação com esta história transmitida por Esdras?
Muitos amigos e conhecidos estão nela presentes e vários foram nominados. Eu participei da vivência ocorrida no ambiente do mosteiro, mas não fui mencionado. Isso torna o ato de psicografar mais dramático.
Por que mantemos tendências e repetimos equívocos cometidos em encarnações pretéritas, mesmo com tanto conhecimento doutrinário?
O progresso intelectual é instrumento do progresso moral, como ensinam os Espíritos Superiores em O Livro dos Espíritos. O primeiro se relaciona com intelecto, compreensão, assimilação do que é correto. O segundo, moral, se relaciona com o sentimento e a conduta. Uma coisa é saber o que é certo, outra, mais difícil, é agir e sentir de forma saudável, digna. Quando logramos harmonizar nossa conduta e nosso sentimento ao ideal do belo e do bem, atravessamos a porta estreita a que aludiu Jesus em seu Evangelho.
Por que se torna tão difícil para nós a convivência com as “coisas do mundo”, como diversão, riqueza, etc, sem que nos afastemos de um caminho reto e digno?
Cada qual tem suas áreas de fragilidade, que representam nossas paixões negativas, os vícios que cultivamos ao longo de incontáveis encarnações. São sentimentos e hábitos que até fizeram sentido em certa etapa de nossa jornada espiritual, mas desbordaram do razoável, tanto na intensidade, quanto na duração. Porque perdemos o controle dessas paixões naturais, permitindo que causassem mal a nós e/ou aos outros, tornaram-se negativas. O desafio é equilibrar, assumir novamente o controle de algo que, de tanto ser cultivado, virou uma espécie de segunda natureza. Jesus não era asceta. Vivia com alegria, participava de festas, e era criticado por isso. Os fariseus o chamavam de comilão e beberrão. Seguramente, era equilibrado, em sua perfeição. Precisamos imitar seu exemplo. Viver no mundo, sem ser do mundo.
O fato de sabermos ser o lar um lugar onde espíritos se reencontram para resolver suas diferenças e continuarem seu processo evolutivo, já constitui um passo para a resolução dos problemas familiares?
Claramente. A família costuma ser o ambiente no qual os Espíritos acertam diferenças milenares. Antigos inimigos renascem como irmãos ou pais e filhos. Vínculos levianos se purificam no amor materno ou paterno. Atentos a essa realidade, não devemos nos permitir o afastamento daqueles que constituem nossa família. Ninguém nasce em determinado núcleo por engano. Não se é pai, mãe ou irmão de alguém por acaso. À parte isso, na família, no convívio obrigatório com seres de personalidade diferente, sejam ou não antigos conhecidos, desenvolvemos a tolerância.
Em Quem olhará Romeu? vemos os esforços de Amaro para colocar Romeu no caminho do bem. Como agir com pessoas que conosco convivem, mas que não se deixam enlevar pelos bons exemplos?
Respeitar seu livre arbítrio, sem desistir delas. Deus nunca desiste de nós e sua misericórdia e providência se manifestam na Terra por intermédio de homens. No caso de alguém muito renitente e próximo, Deus pode estar se manifestando em sua vida por nosso intermédio. É uma questão de exemplificar, argumentar, sempre com suavidade. Fazer o melhor, ciente de que as sementes plantadas pertencem a Deus e frutificarão no momento propício.
Todas as nossas atitudes contrárias à Lei de Deus merecerão reparações futuras ou podem ser consideradas pela Espiritualidade Maior apenas como equívocos no campo da experiência?
A reparação ocorrerá, mas ela não implica necessariamente sofrimento. Apenas o bem apaga o mal. A dor expiatória objetiva fazer surgir o arrependimento, que é composto de dois elementos: mágoa por haver ofendido a Deus e desejo ardente de reparar. Atingido esse estágio, ela deixa de ser necessária. Como ensinou Jesus, a lei divina resume-se no amor. Um gesto de amor cobre uma multidão de pecados. A reparação dá-se na forma do bem que se faz. Mas o coração necessita participar para que o gesto se torne mais precioso, mais significativo. Quando o gesto é tocado de ternura, de cuidado, de amor, ele se torna de grande valia. A matemática divina é diferente da nossa. Quem ama, já se amoldou à lei divina, que então se manifesta em sua feição de misericórdia.
Quais as dificuldades de ser persistente na reforma íntima?
Penso que a principal dificuldade é que ela contraria os próprios interesses, os próprios prazeres. É a criatura lutando contra si própria. Seja a gula, a sexualidade desequilibrada, a ganância, as paixões negativas, ditos vícios, todas trazem prazer para quem as cultiva. Abrir mão desse prazer, para crescer moralmente, é uma batalha interna, sem plateia. Suas derrotas e vitórias são ocultas, silenciosas. O ideal precisa ser firme para não perder as forças. Aceitar que quedas ocorrem, entender que fazem parte do processo, mas não desistir.
Em Quem olhará Romeu? acompanhamos as encarnações deste espírito que insiste em seguir com uma postura rebelde. Neste caso, a lembrança de reencarnações pretéritas não lhe poderia ser útil?
Deus é infinitamente sábio e amoroso. Se ele organizou o universo de modo que o esquecimento é a regra, é porque isso é bom. Raros seres lembram suas vidas passadas. Conviver com alguém sabendo que nos fez mal ou que fizemos mal a ele ensejaria mais facilmente emoções negativas, como vergonha, menos valia, impotência, raiva.
Por vezes é difícil conviver com algo que fizemos nesta encarnação. Imagine quão penoso seria lidar com nossos erros no curso dos séculos? Com nosso nível de consciência de hoje, vislumbrar como éramos há centenas de anos?
Útil mesmo é estar atento aos deveres de decência, cuidado, gentileza no trato com o semelhante. Fazer-lhe o que gostaríamos que nos fizesse, se estivéssemos em seu lugar. As lições de Jesus são imensamente sábias e imortais. Constituem o roteiro mais seguro do jornadear humano.
O que dizer do argumento de que a teoria da reencarnação desestimula as ações de renovação no presente, pois sempre teremos outra oportunidade?
É um argumento particularmente tolo, a meu sentir. Equivale a dizer que há interesse em postergar a própria felicidade. Oportunidades de reajuste com a lei divina nunca nos são negadas. Mas a lei divina é feita para a felicidade do homem, que só é infeliz quando dela se afasta. Enquanto estamos em desalinho com a lei divina, atraímos dores, dificuldades, experimentamos desassossego íntimo. A harmonia íntima é uma bênção e ela só é conquistada pela vivência digna. Como disse Jesus, é preciso andar enquanto é dia. Cada encarnação é um dia em nossa existência imortal. A dificuldade não vencida hoje continuará conosco, até que nos decidamos a superá-la.
O espiritismo nos apresenta um destino maravilhoso, diante da evolução do espírito, mas como transformar isso em ação e realidade no momento atual?
Vencendo as paixões negativas, que retratam erros seguidamente cometidos. O cumprimento do dever de cada dia é imperioso. E fazê-lo com alegria, conectado a Deus, agradecendo pela bênção da vida. Compreender que estamos em nosso melhor momento para transcender. Tudo, ao longo dos séculos, nos conduziu para a situação atual. Estamos no ápice de nossa evolução: nunca fomos tão sábios, puros e bondosos, pois a lei do progresso impede o retrocesso intelectual e moral. Armados de semelhante arsenal, resta-nos usá-lo: com a paz possível, mas com vontade firme, ir a cada dia retificando o que percebemos em nós que necessita de retificação. Sem desculpas, mas também sem angústia de tudo fazer em um instante.
Quem olhará Romeu? também fala sobre adoção. Qual a importância deste tema para o público espírita?
É algo muito importante, pois chama nossa atenção para o fato de que o material não é o essencial, mas sim o espiritual. Quantas vezes, um amigo nos é mais próximo do que um parente de sangue? Aquele ser que chega por intermédio da adoção tem um papel a representar em nossa vida, como temos na dele. Não apenas nossa família, composta por lanços sanguíneos, merece cuidado, mas também a família dos outros. Se desencarnássemos, ficaríamos gratos por alguém cuidar de nossos filhos que ficassem órfãos. Esse dever de humanidade, de fraternidade, chama-nos a refletir sobre a situação das crianças que crescem apartadas de um vínculo familiar e sobre nossos deveres de humanidade.
O que é o parentesco material e o que é o parentesco espiritual, segundo a doutrina espírita?
Parentesco material retrata Espíritos vinculados apenas por laços sanguíneos, mas sem real afinidade. Uma vez rompidos esses vínculos, pela desencarnação, desinteressam-se uns dos outros e afastam-se. Já o parentesco espiritual, a retratar a família espiritual, é muito mais amplo e profundo. Compõe-se de Espíritos que se amam e se ajudam no curso dos séculos e de sucessivas encarnações. Por vezes, renascem no mesmo núcleo familiar ou se buscam naturalmente como amigos. Uns encarnados, outros desencarnados, mas todos cuidando e amando uns aos outros. A tendência é a família espiritual, ou o parentesco espiritual, alargar-se com o correr das eras. O sentimento de amor vai naturalmente se universalizando.
No romance, apesar de todos os esforços e expectativas, Romeu não corresponde aos anseios dos pais e irmã que o adotaram. Como lidar com um filho adotivo que acaba por desestruturar todo o ambiente familiar? Estaria este espírito atrasando o processo evolutivo seu e dos outros deste lar?
Seguramente, o filho adotivo não está atrasando o processo evolutivo de ninguém. Talvez apenas o seu, em sua rebeldia. O adotado é tão filho quanto o natural. Como se lida com um filho que foi gerado por nosso próprio corpo e revela-se ingrato, rebelde, vicioso? Com um misto de energia e doçura, exemplos, paciência.
Paciência é exercício evolutivo?
Paciência é uma virtude muito preciosa, que viabiliza o convívio com alguém que pensa, sente ou age diferente de nós. Conforme ensina Emmanuel, mentor de Chico Xavier, trata-se de tolerância esclarecida, fruto do amor. Tolerância por vezes é entendida como suportar o diferente. Mas em verdade é observar o que pode haver de admirável no diferente, em clima de humildade. Como ela é esclarecida, trata-se de algo racional. O proceder que nos parece estranho pode ser positivo, negativo ou apenas diferente. Se for negativo, e temos oportunidade ou dever de fazê-lo, devemos corrigir o equívoco. Por vezes até com energia, mas sempre com doçura, pois se trata do amor em ação.
Que mensagem deixaria para nossos leitores?
Que mantenhamos a chama da esperança sempre acesa. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, consta que a esperança é filha da fé. Extraio disso que a fé precisa amadurecer para gerar um filho, que é a esperança. A doutrina espírita nos possibilita a fé raciocinada, amadurecida. Sabemos que Deus é a inteligência cósmica suprema, causa primária de todas as coisas, infinita em suas perfeições, que rege o universo com justiça e misericórdia. Jesus, em sua sabedoria, resumiu isso chamando-o de ‘Pai’. Por mais que as coisas pareçam complicadas, nunca estamos sozinhos. Um Pai infinitamente sábio e amoroso, que tudo pode e sabe, vela por nós. Isso deve nos animar a que perseveremos. Fomos criados para a suprema felicidade e iremos conquistá-la.