Acostumado com os escritos de José Lázaro Boberg, a capacidade e a coragem deste autor não deveriam mais me surpreender em novas obras. Ledo engano!
Depois de ir fundo em temas nos quais raramente pesquisadores ousam entrar, afinal está se escrevendo sobre os evangelhos, e ele já nos brindou com o Evangelho de Tomé, o elo perdido, O Evangelho de Judas, O Evangelho de Maria Madalena, Boberg agora invade o mundo das letras com O Evangelho Q, um tema árido, tenebroso para aqueles que raramente se atrevem a novas formas de pensar e têm medo de quebrar os arcaicos vínculos seculares da crença no homem de Nazaré. Mas não para o autor e, em assim fazendo, ele assume uma postura que caminha a par e passo com as pesquisas internacionais mais modernas sobre o assunto.
Tema inédito
Desta vez, Boberg, para eu usar um superlativo bíblico, busca a essência das essências, pois Q é um texto capital sobre a vida de Jesus, chamado de primeira geração, como bem explica o autor dentro do livro. Depois de Q, vieram os canônicos e a segunda geração então se fez.
O tema é inédito em língua portuguesa, e no corpo do texto Boberg demonstra que os evangelhos são obras de homens e não inspiração divina, dando a este livro um valor ainda maior.
Não afasto a probabilidade daqueles homens – os evangelistas – talvez terem sido os que, no cristianismo primitivo, pela emoção e o encantamento com a figura de Jesus, mais tenham se aproximado do “Jesus da fé”. Mas veja, o caminho é o inverso. Não foi a divindade que veio até eles para os “inspirar” (como querem alguns), mas sim eles, com sua humanidade foram os que mais se aproximaram do divino. É o ser humano, compreendendo, assimilando e descobrindo dentro de si o Christós interior e as verdades sobre a fé.
E isto é o que engrandece todos os seres que puderam e podem senti-lo e assim marcharem em direção à semente divina, aliás, como deve ser, porque a aquisição da consciência interior não é um troféu que recebemos de Deus, mas um ato de vontade humana que requer o suor da busca pela própria fé, já que ela não é uma benesse, mas uma conquista de cada um.
Sobre a fé
Muitos teólogos cristãos defenderam, e defendem a tese de que a fé seria um dom divino e que Deus a daria a quem Ele bem o desejasse. Mas, digam-me, com isso, o esforço humano não contaria. Desta forma, bastaria “sentar e esperar pela fé” e se ela não viesse, a culpa não seria de quem não a possuísse, mas sim de Deus que não lhe teria dado a bênção de crer Nele. Não, não acredito que esta seja a verdade!
Da mesma forma ocorre com os evangelhos: desde o seu princípio, eles foram conquistas dos homens e não “sopros divinos”. Esta é a dimensão humana que Boberg vem nos aclarar nesta obra. Na verdade, a Igreja sabiamente e “sabidamente”, ao se referir aos evangelhos é cuidadosa em dizer “Evangelho, segundo Marcos”, ou “segundo Matheus”, ou Lucas, ou João. Por quê? Porque estes homens não foram os escritores dos textos, todos compilados a partir da década de 70 depois de Jesus, tendo sido o primeiro deles o de Marcos, do qual se valeram Mateus e Lucas.
Então, se não houve a escritura Marcos, ou Mateus, ou Lucas, ou João, se não houve a “inspiração divina de um”, e já que muitas foram as mãos a compor o texto, onde está a identidade entre eles para chamar os três primeiros de sinóticos? E a resposta é uma só: na Fonte Q, uma contribuição humana e não divina para os evangelhos.
É justamente isso que Boberg consegue demonstrar.
O que é a ‘fonte Q’?
Q não é um livro, ou um manuscrito encontrado em outra caverna. É um texto inserido dentro dos evangelhos de Matheus e Lucas, perfeitamente possível de ser percebido através de uma leitura atenta de ambos os textos. É como se fosse uma escritura dentro de outra.
Pesquisadores internacionais de escol que fizeram esta leitura encontram Q. Outros pesquisadores importantes duvidam dele. Eles têm o direito. Mas alegar como argumento que, se este era um texto tão importante, onde está ele, por que nunca foi encontrado? Ora, ele foi encontrado dentro dos evangelhos, e se nenhuma cópia nos foi deixada é porque justamente as sentenças de Q, como são chamadas, estão dentro dos textos sinóticos, e desnecessário seria, portanto, guardá-las em separado – e por que não dizer, muito convenientemente.
Uma conveniência da qual a Igreja sempre se serviu para reescrever os livros ditos sagrados, conforme seu interesse ao longo do tempo. Um procedimento que até mesmo os pesquisadores católicos admitem hoje.
Q é uma relação de sentenças, aforismos, atribuídas a Jesus, e que retratam os seus ensinamentos, escritos num momento próximo em que eles foram transmitidos, e não dezenas de anos depois. Tamanha é a identidade entre as sentenças encontradas em Matheus e Lucas que fica impossível se afirmar que cada um tenha pensado, por si só, a mesma temática; e mais, tenham usado ambos as mesmas palavras, e tecido praticamente as mesmas costuras sintáticas na formulação das frases. E se não houve cópia de um por outro, e já que não eram inspirados, houve uma fonte de onde os aforismos foram extraídos e colocados ipsis litteris em ambos os textos evangélicos, como está exaustivamente exemplificado no livro de Boberg.
Os estudiosos nomearam essa fonte de Fonte Q, uma abreviação para a palavra alemã “Fonte” (Quelle). Nenhum autor da antiguidade, infelizmente jamais se referiu a esta fonte, e como afirmado antes, nem sequer qualquer fragmento dela foi encontrado em escavações arqueológicas ou livrarias antigas – e considero que nunca será encontrada. A perda do evangelho Q não impede, entretanto, que se veja aquilo que os estudiosos modernos podem explicar, e de fato o fazem, como sendo Mateus e Lucas evangelhos geneticamente elaborados, através de origens diferentes, mas usando de uma mesma fonte, não importando quão longe os escribas estivessem, já que o Cristianismo primitivo era formado por um aglomerado de comunidades, cada qual com suas histórias fantasiosas e relatos próprios sobre Jesus.
Três momentos expressivos
Em particular, nesta obra de Boberg, a despeito da vasta pesquisa e todo o percurso sobre o tema, valem três momentos expressivos demais para deixar de serem lembrados aqui.
O primeiro é o atestado, o verdadeiro DNA deste texto: a abertura do livro em “O que eles disseram”, porque logo de início desfilam citações basilares que comprovam a veracidade sobre aquilo que Boberg vai discorrer. E quem são os citados? Allan Kardec, Santo Agostinho, Eusébio de Cesaréia, Bart D. Ehrman, e outros pesquisadores de ponta, chegando até a Friedrich Nietzsche. Religiosos católicos, evangélicos, pesquisadores religiosos, estudiosos, ateus, filósofos.
O que seria mais necessário para que houvesse a isenção total da pesquisa? Em um e-mail a mim encaminhado, Boberg assevera; “… inseri opinião de padres, pastores e espiritas, trata-se de pesquisa sem cor religiosa. É a busca de verdade, tão somente”. Este critério do autor dá total confiabilidade ao texto.
Segundo, o capítulo “Jesus: um camponês judeu itinerante”. Desde pequenos somos incentivados a buscar o Jesus da fé, nunca o Jesus histórico. Com isso nos esquecemos que Jesus foi humano – embora haja quem defenda a teoria de que ele foi apenas um espírito entre nós.
Contudo, esta dimensão da humanidade de Jesus é o que mais nos fascina. De fato, como mostra Boberg, ele foi um camponês, um carpinteiro, um terapeuta, um libertador e um profeta pregador da Boa Nova. Estas facetas do homem Jesus é um dos momentos mais interessantes do livro.
E finalmente, o terceiro momento, os “Comentários ao Evangelho Q”. Com certeza o ápice desta obra, onde o autor derrama todo o seu saber religioso e elucida as sentenças de Q. A cada comentário, uma surpresa com a erudição de Boberg que nos enriquece e torna este livro um marco imprescindível para todos aqueles que querem saber mais sobre Jesus.
Um livro que fará história
Enfim, ficaria discorrendo aqui por páginas e páginas, mas deixo aos leitores o prazer da descoberta, tal qual eu, prazerosamente, fui descobrindo este texto ímpar e fundamental.
Em outra oportunidade, ainda me referindo ao autor, fiz alusão aos luzeiros que a história nos oferece como caminhos para o futuro. Este novo livro de Boberg fará história e por isso seu autor continua iluminando caminhos e, graças à sua luz, podemos pisar com certeza neste chão ora firme, ora movediço que é a busca da verdadeira vida de Jesus.
Assim, iluminados, e tendo confiança no passo a passo desta estrada, é que convido os leitores a caminhar juntos com José Lázaro Boberg, em O Evangelho Q, esta nova vereda que descortina o Jesus histórico de quem tanto queremos saber mais e mais.
SÉRGIO MOTTI TROMBELLI é Professor universitário, com especialização em comunicação em nível de pós- graduação. Publicou quatro livros de marketing, área em que ministra palestras em várias cidades do Estado. Vencedor do prêmio Jaber Juabre, o maior prêmio do sistema Unimed de São Paulo, por duas vezes. Publicou um romance espiritualista: A flor (esgotado), e tem um livro inédito: As pessoas espirituais de Fernando Pessoa. É palestrante na Casa da Esperança de Guarujá/SP e também Baixada Santista.
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