Progresso de leitura

A madrugada principiava a sorrir, espantando a noite, quando três entidades sombrias de regiões umbralinas conversavam na esquina da via pública, arrematando planejamento animado que, pelo visto, já durava muitas horas.

— Agora, mãos à obra. Anotados os detalhes da façanha não haverá possibilidades de falharmos. Estejamos atentos. A época do carnaval favorece–nos a empresa. Há anos espero tal oportunidade… – completou um deles, dardejando ódio no olhar a transparecer no semblante sombrio e animalizado.

— Como descobriste a desgraçada, depois de tanto tempo? A notar pelas aparências…

— Sim, sim, houve dificuldades. O disfarce que usa impediu‑‑ me de imediato o seu reconhecimento. Mas a voz e as atitudes m’a identificaram, quando passava pela esquina do mercado. Após certa observação não tive dúvidas, era ela mesma. Abandonou‑‑ me no suicídio para entregar‑‑ se a outros homens. Agora, vingança… vingança… Encontrei–a, afinal. E vocês me ajudarão?

— Como não, amigo! Aqui estamos. Mas ser–nos–á difícil atraí–la para a multidão carnavalesca. Há dias que mantemos a vigilância prometida e a infeliz não faz outro trânsito senão para o trabalho ou para aquele infernal Centro Espírita, que não nos permite a entrada.

Penetrando a muralha mental

Convidados por amigo de Mais Alto, prosseguimos disfarçados no anonimato, observando o estranho grupo para colher lição oportuna.

Planejavam a eliminação por vingança de jovem espírita da localidade, dedicada ao labor cristão, no esforço natural de aprimoramento. Instruído nos detalhes pelo Mentor que nos assessorava, vimos a saber que o ódio presente tinha raízes em encarnação passada, na França, em fins do século 19, envolvendo as principais personagens sob nossas vistas há quase dois meses.

Convidados a participar do socorro urgente, inteirar–nos de toda a trama não nos foi difícil em dois dias de minuciosa observação.

E prosseguimos estupefatos, ouvindo as argumentações finais.

— Você – falou o verdugo das sombras, apontando para o terceiro grupo – se encarregará de trazê–la às ruas, por ocasião dos festejos carnavalescos. Será fácil. Induze–a mentalmente a assistir aos préstitos momescos, dos blocos coloridos. Imponha–lhe o raciocínio de inocente observação dos foliões.

— Mas como penetrar–lhe a muralha mental? Não disponho de recursos sobre a presa.

— Muito fácil, já providenciei. Faremos um bloco dementado de humanos passar em algazarra tal que lhe chame a atenção, trazendo–a à janela. E depois deste primeiro passo o resto será fácil. O pior eu farei. A primeira espiadinha…

— Muito bem! Muito bem!

— E minha realização já está a caminho, falou o segundo. Já escolhi o tipo que se sintoniza comigo. Identificação perfeita. Descobri–o no bar do mercado e já tomamos bons goles, planejando a folia. Na hora exata já estará com o bucho empapado de álcool e sob meu controle. Tipo vigoroso será eficiente instrumentação.

— Ótimo! Ótimo! Falou o primeiro, com palmadinhas nos ombros dos companheiros. Convidaremos Stela a descer à rua e olhar o carnaval… um pulinho à esquina… uma olhadinha na avenida… e então o nosso folião surgirá carregando–a de roldão na folia. Forçaremos–lhe o apetite animal e o auxiliaremos a encontrar o local discreto onde o crime se dará. Eu mesmo desejaria espremer–lhe a garganta frágil, com meus próprios dedos. Estarei vingado… Estarei vingado… e despediu–se do grupo às gargalhadas, cambaleando, e desapareceu na via pública, que já mostrava o aspecto da cidade que desperta.

Uma situação embaraçosa

Permanecemos a postos na vigilância, ao lado do benfeitor espiritual.

Na chamada terça‑feira gorda do carnaval, tudo aconteceu segundo planejamento das trevas. Apesar de nossas insinuações mentais para que a jovem Stelita, a nossa Stela, permanecesse ligada à leitura de obra espírita, mas, oh! sagrados laços da lei a ligar corações na experiência da vida. Desprendendo‑se de nossa ajuda direta, a nossa jovem alcançou a janela e daí a instantes, caminhava junto à multidão, incapaz de pressentir a tragédia próxima a desabar sobre si mesma…

Assustado, eu mesmo vi que, preocupado, o benfeitor deixou–nos, como a movimentar socorro para nossa delicada menina, colaboradora bondosa nos serviços assistenciais da Casa Espírita.

Pensei, por minutos: – Será que a justiça de Deus não agirá em favor de Stelita? Oh! Senhor… – e balbuciei pequena oração na embaraçosa situação em que me encontrava.

Daí a instantes, os gritos angustiados da jovem, nos braços robustos do folião anônimo, eram abafados pela gritaria momesca dos carnavalescos.

O obelisco próximo apareceu por agradável refúgio.

Quando contemplávamos nossa jovem arrastada para o martírio, sem sabermos o que fazer, percebi, por detrás das sombras, o aceno agradável do benfeitor, que nos antecedera à chegada.

Logo que o bandido mascarado, auxiliado por forças cruéis das trevas espirituais, intentava concluir seu plano terrível, contendo os gritos de socorro da jovem a desfalecer, surge um vulto encarnado, envolto em rotas vestimentas, auxiliado por forças do Bem a gritar:

— Que se passa, que é isto, solte–a bandido! – Gritos, murros e a fuga precipitada do desvairado a misturar–se adiante no carnaval popular.

E abaixando–se para completar o socorro à moça desfalecida, trazendo–a à meia luz de iluminação fraca, vindo de casa próxima, o miserável pedinte, que fazia ali o seu ponto de repouso noturno, não conteve a exclamação:

— D. Stelita, D. Stelita! A moça do Centro que me traz socorro toda semana, meu Deus!

Enlouquecendo de dor

Auxiliada por nossas vibrações, processou–se o trânsito normal de fazer nossa assistida retornar ao seu lar, entre atemorizada e agradecida ao Criador.

Quanto ao perseguidor das trevas, retido por sentinelas espirituais, sofreu grande impacto vibratório, registrando na tela mental o quadro falso de assassínio de sua tresloucada cúmplice do passado, enlouquecendo de dor, ali mesmo. Internou–se nas acusações íntimas, que lhe trarão sérios infortúnios por alguns anos.

Não fosse a ação da Misericórdia Divina, na quarta‑feira de cinzas, as manchetes dos jornais de agitada metrópole brasileira, provavelmente registrariam novo homicídio.

 

 

Indicações para estudo – Enfoque: A prática do bem na defesa contra o mal

O LIVRO DOS ESPÍRITOS – questões 642 e 643

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. 12, item 6

 

 

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