Desconstruindo as teorias bizarras sobre Jesus

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Progresso de leitura

E saiu Jesus, e os seus discípulos, para as aldeias de Cesaréia de Filipe; e no caminho perguntou aos seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens que eu sou?
E eles responderam: João o Batista; e outros: Elias; mas outros: Um dos profetas.
E ele lhes disse: Mas vós, quem dizeis que eu sou? E, respondendo Pedro, lhe disse: Tu és o Cristo.
E admoestou-os, para que a ninguém dissessem aquilo dele.

(Marcos 8:27-30)

Esta passagem narrada pelo apóstolo Marcos reflete a onde de boatos acerca de Jesus, naquela época.

Passados dois milênios desde que o Nazareno esteve na Terra, muitas histórias sem fundamento continuam surgindo. “Pode-se dizer que Cristo foi, e continua sendo, uma das maiores vítimas de fake news da história”, afirma o escritor Paulo Schmidt, autor do livro Cogumelo Jesus e Outras Teorias Bizarras sobre Cristo, da Editora Harper Collins.

Na obra, Paulo reúne algumas das hipóteses mais repetidas, curiosas ou abertamente estapafúrdias sobre Jesus – e desmonta cada uma delas, como a de que Jesus e Maria Madalena se casaram e tiveram filhos. Ou a de que o pai de Jesus seria, na verdade, um centurião romano. Acontece, explica o autor, que não havia soldados romanos na região quando Jesus nasceu. De qualquer forma, dificilmente um filho bastardo teria permissão para entrar em uma sinagoga. Ele acredita que a cisma com o sobrenome “Pandera” seja fruto de uma confusão intencional com a palavra “Parthenos”, que significa “virgem”.

Entre as teses reunidas no livro de Paulo, a “a mais sem pé nem cabeça”, segundo o próprio autor, é a que dá título ao livro: a de que Jesus não existiu e seria fruto de uma viagem alucinógena dos apóstolos sob o efeito de um cogumelo. A história, cheia de incongruências e malabarismos morfológicos, partiu de um cientista respeitado – respeito que acabou depois dele apresentar tal teoria.

O mistério do mar Saba

Quem também perdeu o respeito por criar fake news sobre Jesus foi o americano Morton Smith. Com base em um manuscrito do século 17 encontrado em um monastério em Mar de Saba, no deserto da Judeia pelo próprio pesquisador, relatando uma suposta homossexualidade de Jesus. No texto, atribuído ao teólogo cristão Clemente de Alexandria, que o citava como parte do “Evangelho Secreto de Marcos”, Jesus teve um caso com Lázaro, a quem teria pedido que se encontrasse com ele para passar a noite “usando um lençol de linho sobre o corpo nu”.

Porém, antes que fossem realizados exames químicos no material, os tais manuscritos desapareceram. A única prova de sua existência eram as fotos tiradas pelo próprio. Anos depois, um estudo do texto revelou diferenças de estilo e caligrafia em relação às obras originais de Clemente de Alexandria. Para completar, um professor da Pensilvânia apontou as incríveis semelhanças entre a teoria de Smith e um romance inexpressivo de 1940 chamado O Mistério do Mar Saba.

Existem claros paralelos na forma como os boatos sobre Jesus foram criados e se espalharam e o modo como hoje funciona a fábrica de notícias falsas da internet, a fake news. “A fórmula é a mesma, de misturar informação falsa com uma ou outra verdadeira, mas tirada do contexto, e assim passar a impressão de que o conjunto faz sentido”, explica Paulo que enxerga na invenção de histórias sobre Jesus dois motivos principais. Um é o de desmerecer as crenças cristãs investindo contra a reputação dele. O outro é ganhar dinheiro.

Nesta segunda ponta estão produtos como O código da Vinci, ficção sobre Cristo, Madalena e sua descendência, que rendeu filme e muitos milhões a seu autor, Dan Brown. As fantasias causam impacto e persistem na memória coletiva porque, de certa forma, aproximam o sacrossanto do homem comum.

O fazedor de milagres

Na época do lançamento do livro, muita gente afirmou ter ficado com a fé abalada após a leitura de O código da Vinci. Entretanto, os espíritas sabem que não há nada ali que um bom estudo das obras de Allan Kardec ou dos livros da Editora EME, não já nos tenha dito.

Em O evangelho Q, por exemplo, José Lázaro Boberg mostra o que é ‘histórico’ e o que é apenas ‘construção teológica’ do personagem Jesus, fruto dos acréscimos constantes nos textos canônicos, transformando-o em um ”fazedor de milagres”.

Do mesmo autor, O evangelho de Maria Madalena traz à tona a personalidade forte e destemida de uma mulher – a única a ter um “evangelho” com seu nome – e que, ao contrário da equivocada fama de prostituta, era uma mulher de raras virtudes intelectuais e morais, cuja vida e cujas ideias estiveram sempre em sintonia com Jesus, de quem foi discípula e companheira muito querida.

A mesma personagem é retratada por Marco Antônio Vieira em seu livro Maria Madalena e o romano, obra que faz um verdadeiro exercício de revisão de ideias e de conceitos que dizem respeito à personagem central, Maria Madalena, a grande incompreendida da História Cristã – e outra vítima das fake news, o que nos leva de volta ao livro de Paulo Schmidt.

O boato (ou fake news) de que Jesus e Maria Madalena se casaram e tiveram filhos corria muito antes de O código da Vinci, reforçado pelos escritos da chamada biblioteca de Nag Hammadi, um conjunto de escritos dos gnósticos, seita que conviveu com o cristianismo em seus primórdios e absorveu alguns de seus princípios. A fonte principal da teoria é o Evangelho de Felipe, presente na biblioteca, onde se lê que “a companheira do Salvador é Maria de Magdala. Ele a amava mais do que a todos os discípulos e a beijava frequentemente na boca”.

Paulo, porém, explica em seu livro que, colocada em seu contexto, a interpretação cai por terra. Primeiro porque os gnósticos eram contra a procriação e “companheira”, no caso, não tem nenhuma conotação conjugal. E, segundo, beijo na boca, naquela época, era um cumprimento comum.

Um cristianismo diferente

A prova científica de que Jesus de fato existiu foi constatada por vias indiretas, a chamada múltipla atestação — quando dois ou mais autores que nunca tiveram contato algum entre si descrevem fatos sobre um terceiro, atribuindo-lhe até frases inteiras e quase idênticas.

Até o século 4 o cristianismo tinha duas correntes distintas: uma liderada por Paulo e outra por Tiago, irmão de Jesus. Quando o Império Romano oficializou o cristianismo, a corrente paulina foi a escolhida. Caso a escolhida fosse a corrente de Tiago e os Evangelhos apócrifos e gnósticos fossem os “oficiais”, certamente o cristianismo seria diferente. Mas o espiritismo seria o mesmo. E, para o espiritismo, não tem fake news: Jesus continua sendo o “guia e modelo” para a humanidade, de acordo com a questão 625 de O livro dos espíritos.

GEORGE DE MARCO é jornalista-redator das publicações periódicas da Editora EME